“Dom Juan: Ver é deixar desnuda a essência de tudo, é ser testemunha do desconhecido e vislumbrar o que não se pode conhecer… mas isso não nos traz desafogo. Geralmente, os videntes se desconcertam ao Ver que a existência é infinitamente complexa e que nossa consciência cotidiana a difama com suas limitações.
Reiterou que, durante suas explicações, minha concentração tinha que ser total, que compreender era de crucial importância, e que os novos videntes davam o mais alto valor às compreensões profundas que não eram produto da emoção.
– Por exemplo, no outro dia – prosseguiu – quando acreditou ter compreendido algo muito significativo sobre sua (auto)importância pessoal e a da Gorda, na realidade não entendeu nada. Teve um arranque emocional, isso é tudo. Digo isso porque no dia seguinte andava de novo abraçado às suas ideias, como se não tivesse se dado conta de nada.
– O mesmo ocorreu aos antigos videntes. Eram dados às reações emocionais. Mas quando chegou o momento de compreender o que haviam Visto, não puderam fazê-lo. Para compreender se necessita de sensatez, de lucidez, não de emocionalidade. Não confie naqueles que choram com a emoção de compreender, porque não compreenderam nada.
– No caminho do conhecimento há perigos incalculáveis para quem carece de sobriedade e serenidade – prosseguiu. Com minhas explicações, estou delineando a ordem em que os novos videntes dispuseram as verdades do estar consciente de ser, para que te sirva como um mapa, um mapa que tem que se Ver, com sensatez, mas não com seus olhos.
– Todos caem presas do erro de que se Vê com os olhos – prosseguiu -. Mas não se surpreenda que depois de tantos anos ainda não se dê conta de que o Ver dos bruxos não é questão dos olhos. É muito normal cometer este erro.
– Então como Vêem? Perguntei.
Respondeu que Ver é alinhamento. E eu lembrei que ele me dissera que a percepção é alinhamento. Explicou que alinhar emanações que se usam rotineiramente é a percepção do mundo cotidiano, mas alinhar emanações que nunca se usam é Ver. O ato de Ver, sendo resultado de um alinhamento fora do ordinário, não pode ser algo que se vê simplesmente com os olhos. Apesar do fato de ter Visto inúmeras vezes, eu havia sucumbido à maneira como se classifica e descreve Ver.” (O Fogo Interior, Carlos Castañeda)
Nesse trecho o nagual Juan Matus deixa, como em muitas passagens da obra, mais uma chave silenciosa para chegar à consciência do corpo de energia. Ele desde o início apresentou Ver para o Carlos como se fosse um enigma. Ao longo do aprendizado, diversas vezes afirmou que ele tinha Visto ou “quase” Visto, mas ele nunca sentiu que entendeu o que era Ver. Carlos, como todos nós em geral enquanto guerreiros, e também os antigos videntes, achava que Ver era ter uma experiência visual fora do normal, ver coisas especiais, energias, cores, mirações. Essa certeza sempre o impediu de compreender o ato de Ver. Podemos ler esse trecho rapidamente e intelectualmente assimilar que toda percepção fora do comum é Ver. E ainda assim, não captar o que está sendo apontado nas entrelinhas. Dom Juan está apontando não para uma experiência ou outra, mas nos convidando a darmos atenção ao aspecto do nosso ser que se mantém constante em todas essas experiências. É um convite que faz pouco sentido aos olhos do tonal, mas se tivermos o suficiente poder pessoal… é um empurrão para abarcarmos a totalidade de nós mesmos e vislumbrarmos o que não se pode conhecer.
(Jeremy Christopher)