“-Nós o amarramos- continuou Don Juan- porque queríamos saber se você é gentil, ou paciente, ou implacável ou esperto. Descobrimos que não é nenhuma dessas coisas. Melhor dizendo, você é um grande indulgente, exatamente como eu havia dito. Se você não tivesse sido indulgente em ser violento, de certo teria notado que o formidável nó na corda que o prendia estava frouxo. Ele se abre de estalo. Vicente criou esse nó para enganar seus amigos.
– Você puxou a corda com violência. Certamente não é gentil.-disse Silvio Manuel.
– Você não é implacável nem esperto- continuou Don Juan. – Se fosse, teria desfeito ambos os nós com facilidade e fugido com uma valiosa corda de couro. Não é paciente também. Se fosse, teria gemido e chorado até que percebesse que havia uma tesoura ao lado da parede com a qual poderia ter cortado a corda em dois segundos e se livrado de toda a agonia e esforço. Então, não pode ser ensinado a ser violento ou obtuso. Você já é isso. Mas pode aprender a ser implacável, esperto, paciente e gentil.
Don Juan explicou-me que a implacabilidade, esperteza, paciência e gentileza eram a essência da Espreita. Eram o básico que com todas as suas ramificações precisava ser ensinado em passos cuidadosos e meticulosos. Salientou repetidas vezes que ensinar a espreitar era uma das coisas mais difíceis que os videntes Toltecas faziam. E insistiu que não importa quanto eles próprios fizessem para ensinar-me a espreitar, e não importa quanto eu acreditasse no contrário, era a impecabilidade que ditava seus atos.
Don Juan reiterou que um ponto muito importante a considerar era que, para um observador, o comportamento dos guerreiros podia parecer malicioso, quando na realidade seu comportamento era sempre impecável.
– Como pode saber a diferença, quando está no lado que recebe?- perguntei.
-Atos maliciosos são executados por pessoas pelo ganho pessoal- explicou.- Os guerreiros, no entanto, tem um propósito ulterior para seus atos, que nada tem a ver com ganho pessoal. O fato de que se divertem com seus atos não conta como ganho. Antes, trata-se de uma condição de seu caráter. O homem comum age apenas se há oportunidade de lucro. Os guerreiros agem não pelo lucro, mas pelo Espírito.”
(O Poder do Silêncio, Carlos Castañeda)