“Dom Juan disse que os novos videntes ficaram profundamente perturbados pelo fato de que a consciência evita a morte e ao mesmo tempo a induz, sendo alimento para a Águia. Uma vez que não conseguiram explicá-lo, pois não há maneira racional para compreender a existência, os videntes notaram que seu conhecimento é composto de proposições contraditórias.
— Por que desenvolveram um sistema de contradições?
— Eles não desenvolveram nada. Encontraram verdades inquestionáveis através de sua visão. Essas verdades estão dispostas em termos de contradições supostamente extravagantes, isso é tudo. Por exemplo, os videntes devem ser seres metódicos, racionais, modelos de sobriedade, e ao mesmo tempo têm de abrir mão de todas essas qualidades para poderem ser completamente livres e abertos às maravilhas e mistérios da existência.
Seu exemplo deixou-me desconcertado, mas não ao extremo. Compreendi o que queria dizer. Ele próprio havia patrocinado minha racionalidade apenas para demoli-la e exigir uma total ausência da mesma. Contei-lhe como havia compreendido seu ponto de vista.
— Apenas o sentimento de suprema sobriedade pode estender uma ponte por sobre as contradições — disse ele.
— Poderia dizer, Dom Juan, que a arte é essa ponte?
— Você pode chamar a ponte entre as contradições da maneira que quiser… arte, afeição, sobriedade, amor, e mesmo gentileza.”
(O Fogo Interior, Carlos Castañeda)