“— Suas opiniões são definitivas — disse ele, num tom sarcástico. — São a palavra final, não é? Para um caçador, porém, suas opiniões são uma boa bosta. Não faz diferença que a pressão seja um ou dois ou dez; se você vivesse aqui no sertão, saberia que, durante o crepúsculo, o vento se torna poder. Um caçador digno desse nome sabe disso e age de acordo.
— Como é que ele age?
— Ele usa o crepúsculo e aquele poder oculto no vento.
— Como?
— Se for conveniente para ele, o caçador se esconde do poder cobrindo-se e ficando imóvel até passar o crepúsculo e o poder o ter selado dentro de sua proteção. — Dom Juan fez um gesto de envolver alguma coisa com as mãos. — Sua proteção é como…
Ele parou, procurando uma palavra, e eu sugeri um “casulo”.
— Isso mesmo — disse ele. — A proteção do poder sela você como dentro de um casulo. Um caçador pode ficar ao relento, sem que nenhuma, onça ou coiote ou verme nojento o apoquente. Uma onça pode chegar até junto do nariz do caçador e cheirá-lo, e se o caçador não se mexer, a onça vai embora. Posso garantir-lhe isso.
“Mas se o caçador, ao contrário, quiser ser notado, basta que fique de pé em cima de um morro no momento do crepúsculo e o poder o procurará e atormentará a noite toda. Portanto, se o caçador quiser viajar de noite ou se quiser ficar desperto, tem de se mostrar ao vento”.
“Eis aí o segredo dos grandes caçadores. Mostrar-se e esquivar-se no momento exato.”
Senti-me meio confuso e pedi que ele recapitulasse o que dissera. Dom Juan explicou com muita paciência que ele tinha usado o crepúsculo e o vento para demonstrar a importância da interação entre a gente se esconder e se mostrar.
— Você deve aprender a tornar-se propositadamente disponível e não disponível — disse ele. — Tendo em vista sua vida atual, você está sempre disponível, sem querer.
Protestei. Minha impressão era que minha, vida se tornava cada vez mais secreta. Ele disse que eu não tinha entendido, e que não estar disponível não queria dizer esconder-se ou ser misterioso, e sim ser inacessível.
— Vou dizer em outras palavras — continuou ele, com paciência. — Não faz diferença esconder-se, se todos sabem que você se está escondendo. “Seus problemas agora provêm daí. Quando você se está escondendo, todos sabem que se está escondendo, e quando você não está, está disponível para todo mundo marretá-lo.”
Eu estava começando a sentir-me ameaçado e procurei logo defender-me.
— Não se explique — disse Dom Juan, secamente. — Não há
necessidade. Somos todos tolos, todos nós, e você não pode ser diferente. Em uma ocasião em minha vida, eu, como você, fiquei disponível várias vezes, até não sobrar mais nada de mim, para nada, talvez, a não ser chorar. E foi o que eu fiz, tal como você.
— Você deve levar-se embora — explicou. — Deve retomar-se do meio de um caminho movimentado. Todo seu ser está lá, de modo que não adianta você se esconder; só imaginaria que está escondido. Estar no meio do caminho significa que todo mundo que passa assiste a suas idas e vindas.”
(Viagem a Ixtlan, Carlos Castañeda)
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