“Um dia eu estava sozinha na frente da casa — continuou Dona Soledad. — Estava penteando o meu cabelo ao sol com o pente que o Nagual me deu; não sabia que ele tinha chegado e que estava ali atrás de mim. De repente senti suas mãos me agarrando pelo queixo. Ouvi que ele dizia, bem baixinho, que eu não me movesse, pois podia quebrar o pescoço. Ele torceu minha cabeça para a esquerda. Não toda, mas um pouco. Fiquei muito assustada e gritei e tentei escapar das suas mãos, mas ele ficou segurando a minha cabeça com firmeza por muito, muito tempo. Quando ele largou o meu queixo, desmaiei. Não me lembro do que aconteceu depois, Quando acordei, estava deitada no chão, bem aqui onde estou sentada agora. O Nagual tinha sumido. Eu estava tão envergonhada que não queria ver ninguém, especialmente a Gorda. Durante muito tempo cheguei a pensar que o Nagual nem torcera o meu pescoço e que eu tivera um pesadelo.
Ela parou. Eu esperei para ter uma explicação do que acontecera. Ela parecia estar aturdida, talvez pensativa.
— O que aconteceu, exatamente, Dona Soledad? — perguntei, sem poder me conter, — Ele lhe fez alguma coisa?
— Fez, Ele torceu meu pescoço a fim de mudar a direção de meus olhos. — Disse, e riu alto, diante de meu ar de espanto.
— Quero dizer, ele…?
— Sim. Ele mudou a minha direção — continuou, sem ligar para as minhas insinuações. — Fez isso com você e com todos os outros.
— Isso é verdade. Fez isso comigo. Mas por que acha que ele fazia isso?
— Tinha de fazer. É a coisa mais importante a fazer.
Ela se referia a um ato especial que Dom Juan considerara absolutamente necessário. Eu nunca falara a respeito com ninguém. Para dizer a verdade, quase me esquecera dele. No princípio do meu aprendizado, um dia, fez duas pequenas fogueiras nas montanhas do norte do México. Havia uma distância talvez de uns seis metros entre elas. Ele me mandou ficar também a seis metros delas, com o corpo, e especialmente a cabeça, numa posição bem descontraída e natural. Depois mandou que eu olhasse para uma das fogueiras, e, indo por trás, torceu meu pescoço para a esquerda e alinhou os meus olhos, mas não os meus ombros, com a outra fogueira. Segurou minha cabeça naquela posição durante horas, até o fogo apagar-se. A nova direção era o sudeste, ou melhor, ele alinhara a segunda fogueira numa direção sudeste. Eu considerara aquilo tudo como uma das peculiaridades inescrutáveis de Dom Juan, um de seus ritos malucos.
— O Nagual disse que todos nós, em nossas vidas, criamos uma direção na qual olhamos — continuou ela. — Essa se torna a direção dos olhos do espírito. Com os anos, essa direção torna-se gasta com o uso, fraca e desagradável e, como estamos presos àquela determinada direção, também nós nos tornamos fracos e desagradáveis. No dia em que o Nagual torceu meu pescoço e segurou-o até eu desmaiar, ele me deu uma nova direção.”
(O Segundo Círculo do Poder, Carlos Castañeda)