“A sensação de deslizar através de um túnel persistiu por um momento mais, então tudo ficou claro para mim. E comecei a rir. Estranhas noções acumuladas dentro de mim estavam explodindo em forma de riso.
Dom Juan pareceu estar lendo minha mente como se ela fosse um livro.
– Que sensação estranha: perceber que tudo o que pensamos, tudo o que dizemos, depende da posição do ponto de aglutinação – comentou.
-Sei que nesse momento seu ponto de aglutinação moveu-se e que você compreendeu o segredo de nossas correntes. Elas nos aprisionam, mas mantendo-nos pregados ao nosso confortável ponto de autorreflexão, defendem-nos dos assaltos do desconhecido.
Eu estava tendo um daqueles extraordinários momentos nos quais tudo a respeito do mundo dos feiticeiros estava claro como cristal. Compreendia tudo.
– Uma vez que nossas correntes são cortadas – continuou Dom Juan -, não estamos mais presos pelas preocupações do mundo cotidiano. Permanecemos num mundo cotidiano, mas não pertencemos mais a ele. Para isso ocorrer, devemos partilhar das preocupações das pessoas, e sem correntes não conseguimos.
– Os feiticeiros não se encontram mais no mundo dos afazeres diários – continuou Dom Juan – porque não são mais presa de sua autorreflexão.”
(Carlos Castañeda, O Poder do Silêncio)