” O Caminho do conhecimento é um caminho forçado. A fim de aprender e integrar, temos de ser empurrados. No caminho do conhecimento, estamos sempre sendo desafiados por alguma coisa, nos preparando pra novos e desconhecidos desafios, até que as coisas realmente inexplicáveis chegarão até virar do avesso seus itens de possibilidades. Um guerreiro ao se expor ao aberto do conhecimento, fica á mercê dessas forças e só tem um meio de se equilibrar, sua vontade. Terá de se sentir e agir como combatente, pois só com a fibra e a sobriedade de guerreiro poderá ultrapassar os desafios do conhecimento e incorporá-los. (Cap 14).
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” – Aquele aliado estava-lhe chamando. Fiz você mexer a cabeça quando aquilo se aproximou, não porque o estivesse pondo em perigo, mas porque é melhor esperar. Você não está com pressa. Um guerreiro nunca fica á-toa e nunca tem pressa. Encontrar um aliado sem estar preparado é como atacar um leão com seus peidos.
Gostei da metáfora. Tivemos um bom momento de riso.
– O que teria acontecido se você não tivesse mexido minha cabeça?
– Você teria tido de mexê-la sozinho.
– E se não o fizesse?
– O aliado teria chegado perto de você e o assustado deveras. Se você estivesse sozinho, poderia tê-lo matado. Não é aconselhável pra você ficar sozinho nas montanhas ou no deserto até poder defender-se. Um aliado poderia encontrá-lo sozinho ali e fazer de você picadinho.
(…) Para encontrar um aliado, o caçador tem de ser um guerreiro impecável, senão o aliado pode voltar-se contra ele e destruí-lo.
(…) Quando se aprende a Ver, nada é conhecido, e não é o mesmo pra todos, não obstante, isso não quer dizer que os significados da vida prevaleçam. Quando se aprende a Ver, nenhuma coisa é a mesma.
” Então a morte é um turbilhão – disse dom Juan – A morte é o rosto de uma aliado que tem obceca; a morte é uma nuvem brilhante no horizonte; a morte é o sussurro de Mescalito em seus ouvidos; a morte sou eu falando; a morte é você com seu bloco de notas; a morte é nada. Nada! Está aqui e, no entanto, não está nada aqui. ”
Dom Juan tornou a rir, muito alegre. O riso dele era como uma canção, tinha uma espécie de ritmo dançante.
(…)
– A morte entra pela barriga – continuou ele. – Bem pela brecha da vontade. Aquela área é a parte mais importante e sensível do homem. É a zona da vontade e também a área pela qual nós todos morremos. Sei disso porque meu aliado me guiou àquele estágio. Um feiticeiro sintoniza sua vontade deixando que sua morte o alcance e quando está achatado e começa a se expandir, sua vontade impecável toma conta e reúne a neblina numa pessoa de novo. (…)
” Somente a certeza da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de encarar qualquer coisa. Um home assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas e desafios da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiedade, tudo de todas as coisas. Um homem desprendido sabe que não tem possibilidade de evitar sua morte, só tem uma coisa em que se apoiar: o poder de suas decisões. Sua opção é sua responsabilidade, e uma vez tomada, não há mais lugar pra remorsos ou recriminações. Suas decisões são finais, simplesmente poque sua morte não lhe permite tempo pra se agarrar a nada. Desse modo, com seu desprendimento e com o poder de suas decisões, um guerreiro organiza sua vida de maneira estratégica. (cap 10).
” O caminho do conhecimento é um caminho forçado. A fim de aprender ir adiante, temos de ser forçados. As forças inexplicáveis sempre mais poderosas que nós lhe chegarão. Sendo guerreiro, o homem aprende a conhecer estas forças sem pretender reduzi-las ao conhecido e domesticado; ele aprende antes a compartilhar estas forças, se reorientando e adaptando-se ao curso delas. Um guerreiro expondo-se a estas forças torna-se mais vulnerável do que o homem comum, fica então á mercê dessas forças e só tem um meio de equilibrar as forças: sua vontade; assim tem de sentir e agir como um guerreiro. Só como guerreiro é que o caçador pode sobreviver no caminho do conhecimento. (…) Então um guerreiro escolhe as coisas que fazem seu mundo. Escolhe propositalmente, pois cada coisa que prefere é um escudo que protege dos assaltos das forças que está procurando despertar. (…) A rotina de ocupação são os escudos das pessoas comuns. Quando chegam á velhice estão convencidos que no mundo não tem mais nada porque viver.
Um velho não esgotou o mistério incompreensível do mundo. Só esgotou o que as pessoas fazem que são os escudos de conforto e segurança que acabam dominando suas vidas.
A BUSCA E O ENCONTRO DE UMA FORÇA IMPREVISÍVEL
” Sempre que um guerreiro tem um encontro com alguma dessas forças inexplicáveis e inflexíveis, sua brecha então se abre, deixando-o mais suscetível á sua morte do que normalmente já é; já lhe disse que morremos por aquela brecha; então a gente deve estar com a vontade preparada para fechá-la; isto é, se a pessoa for um guerreiro. Em caso contrário, como você, então se não tem outo recurso senão utilizar das atividades da vida diária para desviar o espírito do susto do encontro e assim permitir que a brecha se feche. (…). A primeira providência que você tem a fazer é estar preparado. A segunda é se cercar de um caminho de coração e dever recusar o resto, senão morrerá num próximo encontro. Há anos já lhe disse isso que, em sua vida diária, o guerreiro escolhe seguir o caminho com coração. É pois a escolha diária do caminho com coração que torna o guerreiro diferente dos homens comuns, se torna um com ele percorrendo em toda sua extensão. As itens desse caminho são os seus escudos. (…) Outra providência é que o guerreiro alivia sua entediante conversa interna, deixa de falar superficialidades. Na verdade, conservamos o mundo conhecido com nossas conversas internas. Nós o renovamos, o animamos, o mantemos com nossa conversa interna e escolhemos nossos caminhos com essa conversa repetida até morrermos. Um guerreiro deve saber disso e procura para de falar. Usamos os olhos para julgar o mundo desde o dia que nascemos. Antes de tudo, temos de usar os ouvidos para aliviar a carga de seus olhos, um guerreiro sabe disso e escuta os sons do mundo. Então saberá que o mundo se modificará assim que parar de conversar consigo – disse dom Juan – e deve estar preparado para esse abalo monumental. “
– É a vontade que junta um feiticeiro – disse ele – mas como a velhice o enfraquece, sua vontade murcha e chega inevitavelmente um momento em que ele não é mais capaz de dominar sua vontade. Então, ele não tem nada com que se opor á força muda de sua morte (a força rolante), e sua vida se torna igual á de todos os seus semelhantes, uma névoa se expandindo além de seus limites.
Dom Juan olhou para mim e levantou-se. Eu estava tremendo.
– Já pode ir ao mato – disse ele – Tá ficando tarde. “
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No Cap. 15 de ESTRANHA REALIDADE há uma passagem tremenda onde dom Juan toca uma corda de pelo de Javali e emitindo uivos extraordinários que atraíram forças fora do paradigma consensual de Carlito, fazendo-o parar o processo do pensamento e assim ´parar-o-mundo´. Foi assim que novamente Carlito se deparou com a presença de uma força misteriosa que o pressionava com poder. E foi assim que Carlito aprendeu por si mesmo a desviar a hipnose que a presença do aliado lhe prendia, invocando os escudos do ´caminho do coração´.
“Tudo tem significado para um feiticeiro – disse dom Juan – e os sons tem buracos neles, assim como tudo que o cerca. Geralmente o homem não tem a velocidade para pegar e embarcar nos buracos, e assim vai pela vida sem proteção.Os vermes, os pássaros, as árvores poderiam nos contar coisas inimagináveis, se ao menos tivéssemos a velocidade de captar a mensagem deles. O fumo (psilocybes) e Mescalito pode dar a velocidade para captar a mensagem das coisas. Mas devemos estar em bom termos com todas as coisas vivas e inanimadas deste mundo. É por este motivo que devemos falar com as plantas que vamos sacrificar e pedir desculpas por machucá-las; o mesmo se deve fazer com animais que caçamos e sacrificamos. Devemos pegar somente o suficiente para nossas necessidades, senão as plantas e animais, os vermes e as vidas que ceifamos se viram contra nós, nos causam doenças e desgraças. Uma guerreiro deve saber isso e procura apaziguá-los, de modo que, quando ele espia pelos buracos, as árvores,pássaros e vermes lhe dão mensagens verdadeiras. Mas nada disso tem grande valor agora. O que é importante é que você viu o aliado. É essa a sua caça! “
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No cap. 16 dom Juan continua sua instrução de que tudo tem significado para um guerreiro no mundo do conhecimento: tudo emana espírito, forças, intenções, coisas vivas e inanimadas. A própria água, em especial fontes de água, que ele chamava ´espírito-do-olho-dágua´, direções e linhas da terra tem poder, cada poder tem conhecimento de ser apropriado e aproveitado. Na classificação de dom Juan, a categoria ´espíritos´ se divide em três modalidades de entidades.Primeiro, aquelas forças que não podem dar nada de poder porque não tem nada pra dar, sendo aqueles que só podem causar medo, diferente daqueles que tem dons. Os primeiros são silenciosos, uma espécie de sombra que toma formas. A maior parte do tempo, porém, há outo tipo de ente associado com o silencioso; é um força-espirito malvado, cuja única qualidade é assustar e que sempre paira junto da morada do ente silencioso. Desse é bom afastar-se rapidamente. Esse tipo malvado segue as pessoas até dentro de casa e torna a vida insuportável. Acabam enfraquecendo e definhando as pessoas que são seduzidas por esses entes. Dom Juan então descreve tais entes-espíritos com as mesmas descrições de poltersgeist ruidosos e assombrados.
A terceira categoria de espíritos era um verdadeiro aliado-de-poder, um doador de segredos, segundo dom Juan, aquele tipo especial que existe em lugares desertos e abandonados, quase inacessíveis. Dom Juan deu em seguida todas as instruções a Carlito se comportar nesta caçada e o que evitar, como reconhecer se era um espírito-sombra ou um inamistoso, ou um verdadeiro aliado-de-poder, esse ente que provoca mudanças no curso natural das coisas, ventos, ruídos estranhos de ocorrências factuais, como quebra de galhos, pedras atiradeiras, queda de árvore, ondas de medo e choque como eletricidade..
” – Quando um caçador estiver diante de uma aliado, o doador de poder, tem de juntar toda sua coragem e agarrá-lo antes que ele o agarre, ou perseguí-lo antes que o ente o persiga. A perseguição deve ser implacável e, a seguir, vem a luta. O homem deve lutar com o espírito até derrubá-lo e mantê-lo no chão até que lhe dê o poder.
Então insisti saber de dom Juan se estes espíritos tinham substância, pois a simples ideia de ´espíritos´me significava alguma coisa etérea.
– Não os chame espíritos então – disse ele; – Chame-os de aliados; chame-os forças inexplicáveis.
– Claro que têm substância – disse ele, depois de outro momento de silêncio. – Quando a pessoa luta com eles, são sólidos, mas essa sensação dura só um minuto. Esses entes confiam no medo do homem; portanto, se o homem for um guerreiro que estiver lutando, este ente perde sua tensão muito depressa, enquanto o homem se torna vigoroso. Pode-se até absorver a tensão do espírito.
– Que tipo de tensão é essa? – perguntei.
– O poder. Quando a gente os toca, eles vibram como se estivessem prestes a estraçalhar-nos. Mas isso é só fita. A tensão acaba quando o guerreiro aguenta firme. Os aliados tornam-se apenas flácidos. Mas continuam com substância. Mas não é nada que se tenha tocado antes.
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COMENTÁRIO: Há uma curiosa passagem na Bíblia ( G, 32,21) quando Jacó retornando pra sua terra natal e temendo o enfrentamento com seu irmão mais velho ressentido, se vê de noite numa luta com um ente surgido do nada, cujo termo de designação varia de tradução pra tradução, desde ´anjo´, ´homem´, ou Javé-Deus, já que naqueles primórdios não havia dualismo e tudo, bem e mal, vinha de Javé, tal como o arquétipo Abraxas dos antigos mesopotâmicos. Jacó se viu obrigado a lutar a noite toda com o ente, e sofreu distensão da coxa ou do nervo ciático com este combate, quando o ente agarrado diz: Larga-me pois a aurora está chegando!. Jacó o obriga a abençoá-lo ( a transmissão de poder), mas quando Jacó inqueriu sobre seu nome, o Aliado lhe responde: Por que você quer saber o meu nome?, e se negou a passá-lo. Jacó deu a esse lugar o nome Fanuel, dizendo: Eu vi a Javé face a face e ainda assim continuei vivo.”. Jacó, aliás, foi protagonista de muitas manifestações dessa qualidade imprevisível e fora de paradigma normal de nosso inventário.
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Em VIAGEM A IXTLAN, dom GENARO, a pedido de dom Juan narra sua primeira experiência com um aliado.
“Genaro vai-lhe contar uma coisa – disse-me dom Juan, de repente. – Vai lhe contar a história de seu primeiro encontro com o aliado dele. Não é verdade, Genaro?
(…)
– Talvez – disse dom Genaro, sem interesse.
Pedi-lhe que contasse. Dom Genaro levantou-se, esticou os braços e as costas. Seus ossos fizeram um barulho estalado. Então, ele tornou a sentar-se
– Eu era um rapazinho quando abordei meu aliado pela primeira vez – disse ele por fim.- Lembro-me que foi no princípio da tarde. Eu estava nos campos desde o raiar do dia e voltava para casa. De repente, o aliado apareceu por trás de um arbusto e me trancou o caminho. Estivera-me esperando e estava me convidando para lutar com ele. Comecei a me virar, para deixá-lo em paz, mas ocorreu-me a ideia de que eu era suficientemente forte para poder enfrentá-lo. Mas eu estava com medo. Senti um calafrio pela espinha, o meu pescoço ficou rígido como uma tábua. Por falar nisso, esse é sempre o sinal de que a pessoa está pronta, quero dizer, quando o pescoço fica duro.
Dom Genaro abriu a camisa e me mostrou as costas. Enrijeceu os músculos do pescoço, costas e braços. Observei a qualidade magnífica da musculatura dele. Era como se a recordação do encontro tivesse ativado todos os músculos do torso dele.
– Nessa situação – continuou – você deve sempre fechar a boca. – Virou-se para dom Juan e perguntou: – Não é verdade Juan?
– Sim, – respondeu dom Juan calmamente. – O choque que a pessoa leva ao agarrar um aliado é tão grande que pode morder a língua ou quebrar os dentes. O corpo deve estar ereto e bem apoiado e os pés tem de agarrar a terra.
Dom Genaro levantou-se e me mostrou a posição correta: o corpo ligeiramente dobrado nos joelhos, os braços dependurados dos lados, com os dedos levemente enroscados. Ele parecia relaxado e, no entanto, firmemente fixo no solo. Ficou um instante naquela posição e quando pensei que ia sentar-se, ele de repente avançou para a frente num salto formidável, como se tivesse molas nos calcanhares. Seu movimento foi tão repentino que eu caí de costas; mas, ao cair, tive a impressão nítida de que dom Genaro havia agarrado um homem, ou algo com a forma de um homem.
Tornei a sentar-me. Dom Genaro mantinha ainda uma tensão extraordinária em todo o corpo, e depois relaxou os músculos abruptamente e voltou para onde tinha estado sentado antes e acomodou-se.
– Carlitos acabou de Ver seu aliado agora – observou dom Juan, com displicência – mas ele ainda está fraco, e caiu.
– Foi mesmo? – perguntou dom Genaro num tom ingênuo, e dilatou as narinas.
Dom Juan assegurou que eu o tinha ´visto´. Dom Genaro tornou a saltar para a frente com tanta força que eu caí de lado. Executou seu salto com tanta rapidez que eu não sabia mesmo como é que ele tinha posto de pé para poder saltar para frente.
Ambos riram muito e então dom Genaro mudou seu riso para um uivo igualzinho a um coiote.
– Não pense que você tem de saltar tão bem quanto Genaro para poder agarrar seu aliado – disse dom Juan, num tom de voz de advertência. – Genaro salta assim porque tem o aliado dele que lhe impulsiona. Basta você ficar firme no chão a fim de suportar o impacto. Tem de se pôr exatamente como estava Genaro antes de saltar, e depois tem de pular para a frente e agarrar o aliado.
– Primeiro tem de beijar sua medalha – interrompeu dom Genaro.
Dom Juan disse com severidade fingida que eu não tinha medalhas.
– E os cadernos dele? – insistiu dom Genaro. – Tem de fazer alguma coisa com eles… largá-los em algum lugar antes de saltar, ou talvez ele use os cadernos para dar no aliado.
– Que diabo! – exclamou dom Juan, com uma surpresa aparentemente sincera. – Nunca pensei nisso. Aposto que será a primeira vez que um aliado é derrubado com cadernos.
Quando os risos de dom Juan e os uivos de dom Genaro cessaram, estávamos todos de muito bom humor.
– O que aconteceu quando agarrou seu aliado, dom Genaro? – perguntei.
– Foi um choque violento. – disse dom Genaro, depois de hesitar um momento. Ele parecida estar concatenando os pensamentos.
” Nunca pensei que fosse assim – continuou – Era uma coisa…uma coisa… nada que eu possa comparar. Depois que o agarrei, começamos a girar. O aliado me fez girar, mas eu não o larguei. Rodopiamos pelo espaço com tanta força que eu nem via mais nada. Tudo estava nublado. O rodopio continuou por muito tempo. De repente senti que estava em pé no chão outra vez. Olhei para mim. O aliado não me matara. Eu estava inteiro. Eu era eu! Então vi que obtivera êxito. Afinal, eu tinha um aliado. Pulei para cima e para baixo de alegria. Que sensação foi aquela! “
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COMENTÁRIO: Note-se que a postura tomada por dom Genaro é uma das muitas posturas intituladas ´passes mágicos´, ou posturas mágicas, ou tensegridade.
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Na sequência dom Genaro narra longamente sua tentativa de retorno para a normalidade do lar em Ixtlan, mas nada mais seria como antes, e tudo o que era conhecido se tornara estranhos ´fantasmas´ ansiosos, depois de ter agarrado e rodopiado com esta força-fora-de-paradigma do aliado.
” Tudo que Genaro encontra em sua viagem de retorno a Ixtlan são apenas seres efêmeros – explicou dom Juan – Veja você por exemplo. É um fantasma. Seus sentimentos e sua ansiedade são de pessoas. É por isso que ele diz que só encontra fantasmas em sua viagem a Ixtlan. (…) Rodopiar com seu aliado em mundos desconhecidos há de mudar sua ideia do mundo – falou dom Juan – Essa ideia é tudo; e quando isso muda, o próprio mundo muda. Só se pode sobreviver no caminho do conhecimento como guerreiro – disse por fim – Pois a arte de um guerreiro é equilibrar o terror de ser homem com a maravilha de ser homem. “
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Cap 16 – O ENCONTRO COM O ALIADO DE PODER, ESTRANHA REALIDADE. Carlos continua sua narrativa inusitada.
(…)
” No dia 17 de dezembro de 1969, dom Juan disse, muito naturalmente, que eu já conhecia todos os detalhes e técnicas necessários para ir sozinho ao morros e obter um objeto de poder, o pegador-de-espíritos. Falou em eu prosseguir sozinho e afirmou que a companhia dele só iria atrapalhar.
Eu já estava pronto para sair quando ele mudou de ideia.
– Vou ainda não está suficientemente forte. Vou com você até ao sopé dos morros.
Quando estávamos no valezinho onde eu havia visto o aliado, ele examinou, a distância, a formação do terreno que eu chamara de ´buraco nos morros´e disse que ainda tínhamos de ir para o sul, em direção das montanhas distantes. A morada do aliado ficava no ponto mais distante que podíamos ver ver pelo buraco.
Olhei pra a formação e só distingui a massa azulada das montanhas distantes. Mas ele me guiou numa direção sudeste e, depois de caminharmos várias horas, alcançamos um ponto que ele disse estar ´suficientemente fundo´ na morada do aliado.
Já era de tardinha quando paramos. Sentamo-nos numas pedras. Eu estava cansado e com fome; o dia todo só comera umas tortilhas e bebera água. De repente, dom Juan levantou-se, olhou para o céu e me disse,num tom imperioso, para partir na direção que era a melhor para mim e para ter certeza de me lembrar do lugar onde estávamos naquele momento, para poder voltar para ali logo que acabasse. Ele disse, num tom tranquilizador, que estaria esperando por mim, nem que eu levasse a vida toda.
Perguntei, apreensivo, se ele achava que o negócio de arranjar um pegador-de-espírito ia demorar muito.
– Quem sabe? – respondeu, sorrindo misteriosamente.
Encaminhei-me para sudeste, virando de vez em quando para olhar para dom Juan. Ele estava andando muito devagar na direção oposta. Subi até ao topo de um morro grande e tornei a olhar para dom Juan; ele estava bem a uns 200 metros de distância. Não se virou para olhar para mim. Corri para baixo, até um depressão entre os morros, procurando um ´pegador-de-espírito´. Corri de volta ao topo do morro para ver dom Juan melhor, mas não o vi em lugar algum. Queria desistir de tudo aquilo e ir para casa. Estava me sentindo estúpido e cansado.
– Dom Juan! – gritei, repetidamente.
Ele não estava em lugar algum. Tornei a correr para o topo de outro morro íngreme; também não consegui avistá-lo de lá. Corri um bom pedaço, procurando-o, mas ele tinha desaparecido. Tinha a certeza absurda de que ia encontrá-lo sentado ali, rindo-se de minhas tolices.
– Em que diabo fui me meter? – disse eu em voz alta.
Então vi que não havia meio de parar o que quer que fosse que eu estivesse fazendo ali. Eu não sabia sequer voltar ao meu carro. Dom Juan tinha mudado de direção várias vezes e a orientação geral dos quadro pontos cardinais não bastava. Eu estava com medo de me perder nas montanhas. Sentei-me e, pela primeira vez na vida, tive a sensação estranha de que nunca haja realmente um meio de voltar ao ponto de partida original. Dom Juan dissera que eu sempre insistia num ponto de partida que eu chamava de ´começo´, quando na verdade, o começo não existia. E ali, no meio daquelas montanhas, achei que estava entendendo o que ele queria dizer. Era como se o ponto de partida fora sempre eu mesmo; era como se dom Juan nunca tivesse estado realmente ali; e quando eu o procurei, ele virou o que era realmente, uma imagem passageira que desaparecia atrás de um morro.
Ouvi um suave farfalhar de folhas e uma fragrância estranha me envolveu. Senti o vento como uma pressão nos ouvidos, como um zumbido tímido. O Sol ia alcançando umas nuvens compactas sobre o horizonte, que parecia uma faixa solidamente tingida de laranja, quando desapareceu por detrás de um espesso véu de nuvens mais baixas; tornou a aparecer um momento depois, como uma bola vermelha flutuando na névoa. Pareceu lutar um pouco para atingir um pedaço de céu azul mas era como se as nuvens não quisessem dar tempo ao Sol, e então a faixa laranja e silhueta escura das montanhas pareceram engoli-lo.
Deitei-me de costas. O mundo em volta de mim estava tão quieto, tão sereno e ao mesmo tempo tão estranho que me senti oprimido. Não queria chorar, mas as lágrimas insistiam e rolavam livremente.
Fiquei horas naquela posição. Quase não conseguia levantar-me. As pedras embaixo de mim eram duras, e bem onde eu me deitara quase não havia vegetação alguma, em contraste com os luxuriantes arbustos verdes que havia em volta. De onde eu estava, via uma franja de árvores altas nos morros de leste.
Por fim escureceu bastante. Senti-me melhor; na verdade, estava quase feliz. Para mim, a semi-escuridão era muito mais criativa e protetora que a luz forte do dia.
Levantei-me, subi ao topo do morrinho e comecei a repetir os movimentos que dom Juan me ensinara. Corri para leste sete vezes, e então notei uma mudança de temperatura em minha mão. Fiz uma fogueira e vigiei atentamente, como dom Juan me recomendara, observando todos os detalhes. Passaram-se horas e eu comecei a ficar muito cansado e com frio. Tinha juntado um montão de galhinhos secos; alimentei a fogueira e me aproximei dela. A vigília era tão fatigante e intensa que eu estava exausto; comecei a cabecear. Adormeci duas vezes e só acordei quando minha cabeça caiu para o lado. Eu estava com tanto sono que não conseguia mais vigiar a fogueira. Bebi um gole dágua e cheguei a borrifar um pouco no rosto, para ficar acordado. Só consegui vencer meu sono por alguns momentos. Por algum motivo, eu estava desanimado e irritado; sentia-me completamente estúpido por estar ali e isso me dava uma sensação de frustração e depressão irracionais. Estava cansado, com sono e absurdamente aborrecido comigo mesmo. Por fim, abandonei a luta de me manter acordado. Juntei uma porção de galhos secos à fogueira e deitei-me de costas. A busca por um aliado e um pegador-de-espírito era, naquele momento, uma tentativa muito cômica e estranha. Estava com tanto sono que não conseguia nem pensar nem falar comigo mesmo. Adormeci.
Fui despertado de repente por um estalido alto. Parecia que o barulho, fosse o que fosse, tinha indo de um ponto logo acima do meu ouvido esquerdo, pois eu estava deitado sobre o lado direito. Sentei-me completamente desperto. Meu ouvido esquerdo zunia e estava surdo com a proximidade e intensidade do som.
Devo ter dormido muito pouco tempo, a julgar pela quantidade de galhos secos que ainda estavam ardendo na fogueira. Não ouvi outros barulhos, mas fiquei alerta e continuei a alimentar a fogueira.
Tive a ideia de que talvez o que me tivesse acordado fosse um tiro de espingarda; talvez houvesse alguém por ali, observando-me e atirando em mim. Esta ideia tornou-se muito angustiante e provocou uma avalancha de receios racionais. Eu tinha certeza de que alguém era dono daquela terra e, se isso fosse verdade, poderiam achar que eu era um ladrão e matar-me, ou poderiam matar-me para me roubar, sem saber que eu não tinha nada comigo. Tive um momento de muito receio por minha segurança. Senti uma tensão no pescoço e nos ombros. Mexi a cabeça para cima e para baixo. os ossos de meu pescoço estalaram. Continuei a olhar para o fogo, mas não vi nele nada fora do comum, nem ouvi barulho algum.
Depois de algum tempo, relaxei um pouco e ocorreu-me que talvez dom Juan fosse o responsável por aquilo. Logo me convenci de que era isso. A ideia me fez rir. Tive outra avalanche de conclusões racionais, dessa vez mais alegres. Achei que dom Juan devia ter suspeitado de que eu ia mudar de ideia a respeito de ficar nas montanhas, ou devia ter-me visto correndo atrás dele e se teria escondido numa caverna ou atrás de um arbusto. Depois, ele me seguira e, vendo que eu tinha adormecido, acordou-me estalando um galho em meu ouvido. Juntei mais galhinhos á fogueira e comecei a olhar em volta de maneira displicente e disfarçada para ver se o descobrira, embora soubesse que, se ele estivesse escondido ali, eu nunca o descobriria.
Tudo estava calmo; os grilos, o vento nas árvores das encostas dos morros em volta, o estalar baixinho dos galhos pegando fogo. Fagulhas esvoaçavam perto de mim, mas eram fagulhas normais.
De repente ouvi o ruído forte de um galho se quebrando. Era como se alguém estivesse pisando neles e fazendo-os estalar. Os sons eram fortes e cheios, e tinham uma espécie de vigor. Também pareciam aproximar-se de onde eu estava. Tive uma reação muito lenta e não sabia se devia escutar ou levantar-me. Estava resolvendo o que devia fazer, de repente, estava totalmente cercado pelo som de ramos estalando. Fui envolvido por eles tão depressa que mal tiver tempo de me levantar de um salto e pisotear o fogo.
Comecei correr morro abaixo no escuro. Atravessou-me a ideia de que de que não havia terra plana, quando me movia pelos arbustos. Continuei a correr, procurando proteger meus olhos dos arbustos. Já estava a meio caminho da encosta quando senti alguma coisa atrás de mim, quase me tocando. Não era um galho; mas uma coisa que, intuitivamente, eu senti que me estava alcançando. Essa ideia me fez gelar. Tirei meu casaco, embolei-o na barriga, dobrei-me sobre as pernas e cobri os olhos com as mãos, como dom Juan tinha recomendado. Fiquei naquela posição por algum tempo e depois percebi que tudo em volta de mim estava numa quietude mortal. Não havia sons de espécie alguma. Fiquei extraordinariamente alarmado. Os músculos do meu estômago se contraíram e estremeciam espasmodicamente. Depois, ouvi outro estalo. Parecia ter ocorrido muito longe, mas era extremamente claro e distinto. Aconteceu novamente, mais perto de mim. Houve um período de silêncio e então alguma coisa explodiu, logo acima de minha cabeça. O barulho foi tão repentino que eu saltei sem querer e quase rolei para o lado. Era positivamente o barulho de um galho se quebrando em dois pedaços.
O ruído ocorrera tão perto que eu ouvi o farfalhar das folhas do galho quando ele se quebrou.
Depois se seguiu uma chuva de explosões estaladas; os galhos se partiam com muita força em volta de mim. O incongruente, naquele ponto, foi minha reação ao fenômeno; em vez de estar aterrorizado, eu estava rindo. Achava sinceramente que tinha descoberto a causa de tudo o que estava acontecendo. Convencera-me de que dom Juan estava novamente me armando uma cilada. Uma série de conclusões lógicas cimentavam minha confiança; sentia-me exultante. Eu estava certo de que poderia pegar aquele astucioso dom Juan em outro de seus truques. Ele estava ali em volta de mim estalando galhos, e sabendo que eu não ousaria para cima, estava seguro para fazer o que bem entendesse. Imaginei que ele devia estar sozinho nas montanhas, pois eu tinha estado com ele constantemente havia dias. Ele não tinha tido tempo nem oportunidade de convocar nenhum colaborador. Se ele tivesse escondido, como eu achava, estaria desacompanhado, e logicamente só poderia produzir um número limitado de ruídos. Como ele estava sozinho, os ruídos tinham de ocorrer numa sequência linear temporal; isto é, um de cada vez, no máximo dois ou três de cada vez. Além disso, a variedade dos ruídos também tinha de se limitar á mecânicas de um único indivíduo. Eu estava completamente certo, enquanto permanecia agachado e quieto, de que toda a experiência era uma brincadeira e que o único meio de tomar as rédeas da situação era desprender-me emocionalmente dela. Estava positivamente me divertindo com ela. Pilhei-me dando risada diante da ideia de que podia prever a próxima jogada de meu adversário. Tentei imaginar o que faria em seguida, se fosse dom Juan.
O som de alguma coisa bebendo águas ruidosamente me sacudiu de meu exercício mental. Escutei atentamente; ouvi o som outra vez. Não conseguia saber o que era. Parecia um animal bebendo água. Tornou a acontecer muito perto. Era um som irritante, que fazia lembrar o barulho estalado de um adolescente de maxilares fortes mascando chicletes. Eu estava imaginando como é que dom Juan podia fazer aquele barulho quando tornei a ouvi-lo, vindo da direita. Primeiro foi um ruído só e depois ouvi uma série de sons chafurdantes, como se alguém estivesse trotando com galochas na lama. Fiquei abismado com a plenitude do som. Não consegui imaginar nenhum engenho primitivo que eu mesmo pudesse usar para produzi-lo. Ouvi outra serie de sons de correria e chafurdação atrás de mim, e então eles ocorreram todos de uma vez, de todos os lados. Alguém parecia estar andando, correndo e trotando na lama em volta de mim.
Uma dúvida lógica me ocorreu. Se dom Juan estivesse fazendo tudo isso, tinha de estar correndo em círculos numa velocidade incrível. A rapidez dos sons tornava essa alternativa impossível. Então pensei que, afinal, dom Juan devia ter colaboradores. Quis começar a pensar que pessoas poderiam ser suas cúmplices,mas a intensidade dos ruídos exigia toda a minha concentração. Eu não podia mesmo pensar com lucidez e, no entanto, não estava com medo, talvez estivesse apenas assombrado com a estranha natureza dos sons. Os ruídos chafurdantes chegaram a vibrar. Na verdade, suas vibrações especiais pareciam estar dirigidas à minha barriga, ou talvez eu percebesse suas vibrações com a parte inferior de meu abdome.
Essa ideia provocou uma perda instantânea de minha sensação de objetividade e desprendimento. Os sons estavam atacando minha barriga! Ocorreu-me a pergunta: ” E se não for dom Juan?” . Entrei em pânico. Retesei os músculos abdominais e espremi minhas coxas de encontro ao volume do meu paletó.
Os ruídos aumentaram em número e velocidade, como se soubessem que eu tinha perdido a confiança, e suas vibrações eram tão intensas que eu senti vontade de vomitar. Lutei contra a náusea. Respirei fundo e comecei a cantar minhas canções de peiote. Vomitei e os ruídos de chafurdar cessaram imediatamente; os sons dos grilos e do vento e os uivos distantes e staccato dos coiotes se superpuseram. Aquela parada brusca me deu um alívio e eu me pude examinar. Pouquinho antes eu estava com a melhor disposição de espírito, confiante e desprendido; obviamente, fracassara miseravelmente ao julgar a situação. Mesmo que dom Juan tivesse cúmplices, seria mecanicamente impossível para eles produzirem sons que afetassem meu estômago. Para produzirem ruídos dessa intensidade, precisariam de dispositivos além de seus meios ou concepção. Aparentemente, o fenômeno que eu experimentara não era uma brincadeira, e a teoria de ‘ mais um truque de dom Juan´ era apenas uma explicação irracional.
Eu estava com cãibras e sentia uma vontade irresistível de rolar e esticar as pernas. Resolvi me mover para a direita, para tirar o rosto do lugar onde havia vomitado. No minuto que comecei a me arrastar, ouvi um rangido baixinho bem acima de meu ouvido esquerdo. Gelei no mesmo lugar. O rangido repetiu-se do outro lado de minha cabeça. Era um som isolado. Achei que parecia o rangido de uma porta. Esperei mas não ouvi mais nada, de modo que resolvi me mexer de novo. Mal eu começara a mover minha cabeça para a direita, quase fui forçado a saltar pra cima. Um dilúvio de rangidos me engoliu. Ás vezes, pareciam rangidos de portas; em outras eram com os guinchos de ratos. ou cobaias. Não eram fortes nem intensos, mas muito baixos e pérfidos, e me provocavam agonizantes espasmos de náusea. Pararam como tinham começado, diminuindo aos poucos até eu só poder ouvir um ou dois deles cada vez.
Então, ouvi outra coisa como asas de um grande pássaro varrendo os topos dos arbustos. Parecia voando em círculos por cima de minha cabeça. Os rangidos baixinhos começaram a aumentar de novo, assim como o bater das asas. Por cima da minha cabeça parecia haver uma coisa como um bando de pássaros gigantescos, batendo suas asas macias. Os dois ruídos se fundiram, criando uma onda envolvente em torno de mim. Senti que estava flutuando, suspenso numa onda enorme; Os rangidos e o batimento de asas eram tão suaves que eu os sentia em todo o corpo. As asas de um bando de pássaros pareciam estar-me puxando de cima, enquanto os guinchos de um exército de ratos pareciam estar-me prendendo embaixo e em volta do meu corpo.
Não havia dúvida em meu espírito de que, por minha estupidez estabanada, eu tinha desencadeado alguma coisa terrível sobre mim. Trinquei os dentes, respirei fundo e cantei minhas cantigas de peiote.
Os ruídos duraram muito tempo e eu me opus a eles com toda minha força. Quando se acalmaram, houve novamente um ´silêncio´ interrompido, como estou acostumado a perceber o silêncio; isto é, eu só conseguia notar os sons naturais de insetos e do vento. O momento de silêncio foi, para mim, mais prejudicial do que o período de barulhos. Comecei a pensar e a a avaliar a situação, e minha conclusão me deixou em pânico. Eu sabia que estava perdido; não tinha o conhecimento nem a fibra para repelir o que quer que me estivesse assaltando. Estava completamente indefeso, agachado sobre meu próprio vômito. Achei que chegara o fim de minha vida e comecei a chorar. Queria pensar em minha existência, mas não sabia por onde começar. Nada do que eu havia feito valia realmente aquele último destaque, de modo que não tinha nada em que pensar. Era uma compreensão única. Eu mudara desde a última vez em que sentira um medo igual. Dessa vez, estava mais vazio. Tinha menos sentimento pessoais para carregar.
Perguntei-me o que faria um guerreiro naquela situação e cheguei a várias conclusões. Havia alguma coisa em minha região umbilical que era supinamente importante; havia alguma coisa sobrenatural nos sons; eles visavam minha barriga; e a ideia de que dom Juan me mantivesse preparado uma peça era completamente inaceitável.
Os músculos de minha barriga estavam muito apertados, embora eu não sentisse mais cãibras. Continuei a cantar e a respirar profundamente, sentindo um calor calmante invadindo todo meu corpo. Estava claro pra mim que, se eu quisesse sobreviver, teria de proceder nos termos dos ensinamentos de dom Juan. Repeti mentalmente as instruções dele. Lembrei-me do ponto exato em que o Sol desaparecera na montanha em relação ao morro onde eu estava e o lugar onde eu me agachara. Tornei a orientar-me e, quando me convenci de que minha avaliação dos pontos cardeais estava certa, comecei a mudar minha posição, para ficar com a cabeça virada para uma direção nova e ´melhor´n (sudeste). Comecei lentamente a mover meus pés para a esquerda, de centímetro a centímetro, até estarem torcidos sob a barriga da perna. Então, passei a alinhar o corpo com meus pés; mas assim que comecei a me arrastar lateralmente, senti um tapa esquisito; tinha a sensação física de alguma coisa tocando a zona descoberta de minha nuca. Aconteceu tão depressa que eu gritei sem querer, tornando a gelar-me. Apertei meus músculos abdominais, comecei a respirar profundamente e a cantar minhas canções de peiote. Um segundo depois, tornei a sentir o mesmo tapinha na área do pescoço. Encolhi-me. Meu pescoço estava descoberto e não havia nada que eu pudesse fazer para me proteger. Senti o tapa de novo. Era um objeto muito macio, quase sedoso que me tocava o pescoço, como uma pata peluda de um coelho gigantesco. Tocou-me várias vezes e depois começou a atravessar meu pescoço, de um lado pra outro, até eu estar aos prantos. Era como se uma manada de cangurus silenciosos, lisos, sem peso, estivesse pisando em meu pescoço. Eu ouvia o baque surdo de sua patas ao pisarem suavemente por cima de mim. Não se tratava em absoluto de uma sensação dolorosa, e no entanto era de enlouquecer. Eu sabia que, se não me absorvesse em fazer alguma coisa, ficaria maluco, levantar-me-ia e sairia correndo. Assim, comecei lentamente a manobrar meu corpo outra vez para uma nova posição. Minha tentativa de me mexer pareceu aumentar os tapas em minha nuca. Por fim, tornou-se um tal frenesi que acudi meu corpo e alinhei-o na nova direção. Não havia a menor ideia sobre o resultado de meu ato. Eu estava apenas fazendo alguma coisa pra não ficar completamente maluco.
Assim que mudei de direção os tapas em minha nuca cessaram. Depois de uma pausa longa e angustiada, ouvi um estalar de galhos á distância. Os ruídos não estavam mais próximos. Era como se tivessem retirado para outra posição, longe de mim. O som dos galhos estalando depois de um momento se fundiu com o barulho das folhas farfalhando, como se um vento forte estivesse soprando em todo o morro. Todos os arbustos em volta de mim pareciam estremecer e, no entanto, não havia vento. O farfalhar e o estalar de galhos me davam a impressão de que todo o morro estivesse em chamas. Meu corpo estava apertado como uma pedra. Eu transpirava copiosamente. Sentia cada vez mais calor. Por um momento, fiquei inteiramente convencido de que o morro estava pegando fogo. Só não me levantei e saí correndo porque estava tão dormente que chegava a estar paralisado; na verdade, não conseguia nem abrir os olhos. O que me importava naquele momento era levantar-me e fugir do fogo. Tinha cãibras terríveis na barriga que começavam a me cortar a respiração. Fiquei muito ocupado, procurando respirar. Depois de muita luta, consegui respirar fundo outra vez e também pude repara que o farfalhar tinha passado; só havia um estalo ocasional. O som dos galhos se quebrando foi-se tornando cada vez mais distante e esporádico, até cessar de todo.
Consegui abrir os olhos. Olhei por pálpebras semicerradas para o solo embaixo de mim. Já era dia claro. Esperei mais um pouco sem me mexer e depois comecei a esticar o corpo. Rolei de costas. O Sol estava acima dos morros, a leste.
Levei horas para conseguir esticar as pernas e me arrastar pelo morro abaixo. Comecei a caminhar para o lugar onde dom Juan me deixara, que ficava, talvez, a um quilômetro e meio de distância; no meio da tarde eu estava na borda do bosque, ainda a uns quinhentos metros de distância.
Não conseguia mais andar, por nada deste mundo. Pensei em onças e tentei trepar numa árvore, mas meus braços não suportavam meu peso. Encostei-me numa pedra e resignei-me a morrer ali. Estava convencido que seria alimento prara as onças e outros predadores. Não tinha força pra atirar uma pedra se necessário. Não estava com fome nem com sede. Por volta do meio-dia, tinha encontrado um córrego e havida bebido muita água, mas isso não me ajudou a recuperar as forças. Sentado ali, inteiramente desamparado, sentia-me mais desanimado do que com medo Estava tão cansado que meu destino não me importava. Adormeci.
Acordei com alguma coisa me sacudindo. Dom Juan estava debruçado sobre mim. Ajudou-me a sentar-me e me deu água e uma papa. Riu e disse que eu estava com uma cara horrível. Tentei contar-lhe o que tinha acontecido, mas ele me fez calar e disse que eu tinha errado o ponto marcado, e que o lugar onde eu devia ter-me encontrado com ele ficava a uns cem metros dali. Depois, praticamente me carregou na descida do morro. (…)
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COMENTÁRIOS: Este capítulo 16 é uma das mais estonteantes e maravilhosas páginas escritas na literatura mundial, ao meu parecer. Enquanto digitava, me recordava de outra passagem similar no capítulo 15 do livro O Fogo Interior, Os Desafiantes da Morte, quando dom Juan, dom Genaro e Carlitos foram em região afastada e isolada buscar encontrar os lugares onde os antigos feiticeiros haviam se enterrado, na intenção de se associarem a estas entidades de fora do nosso mundo e assim intentarem afastar a força rolante da morte, e como diz dom Juan, de fato o conseguiram, mas do modo mais horripilante imaginável. Toda carga de horror deste capítulo está presente no referido capítulo, mesmo com a presença aliviadora de dom Juan e dom Genaro. As comparações entre os dois capítulos nos leva a observações similares que denotam uma experiência de fundo entre as experiências. As canções de peiote aliviadoras, por exemplo, surgem como canções de romantismo piegas com acentuado sentimento de desapego, suficiente para captar a atenção do apavorado adepto Carlitos. Os ruídos e sensações táteis surgiram agora como imagens horripilantes dos antigos feiticeiros desafiadores da morte em meio a imagens de pesadelo de entes incompreensíveis denominados Aliados, como também uma armadilha similar a uma caveira que crava os dentes no tornozelo do apavorado adepto, impedindo-o de andar e paralisando-o. A grande diferença é que as presenças dos mentores de Carlitos acaba por prevalecer e levam o ponto de aglutinação do mesmo a transpor a visão dos infernos e a percebê-los como tristes figuras espectrais de olhos amarelos, que os fizeram fugir feito lufada de vento.
No capítulo 7 deste mesmo livro, dom Juan expõe Carlitos a ação de uma entidade de aspecto antropomórfico que o atacou como uma pancada de descarga de corrente elétrica:
“- Fique assustado sem ficar aterrorizado -disse dom Juan sem intervir na minha luta, e sussurrou-me que eu deveria colocar toda minha concentração no ponto central de meu corpo. Assim que focalizei minha atenção nesse ponto central, o que quer que fosse me largou. Naquele instante, percebi que o que imaginara como um ente humano era algo que apenas se parecia com um, e o aliado se transformou numa bolha amorfa de luz opaca. Afastou-se. (…) . Comentei sobre minha mudança abrupta de estado. Dom Juan disse que não havia nada de estranho, e que o medo deixa de existir assim que o brilho da consciência do ponto de aglutinação se move além de certo umbral dentro do casulo humano.( …) . O grau de consciência de cada ser senciente- disse dom Juan – depende do grau ao qual ele é capaz de deixar a pressão das emanações livres conduzí-lo e levá-lo. Assim, quando os videntes vêem que a pressão das emanações livres se aplica ás emanações intrínsecas ao casulo, as quais estão em movimento caótico, e isso faz com que parem de se mover, sabem então que aquele ser luminoso naquele momento está fixado pela pressão do que percebem. Outro detalhe dito por dom Juan, era que Ver significava estar havendo um alinhamento de emanações inusuais, fora do comum, que o alinhamento de emanações nunca usadas ordinariamente é Ver. Apenas uma porção diminuta das emanações da Águia está ao alcance da consciência humana, e essa porção é reduzida mais ainda a uma fração diminuta, pelas exigências de percepção reduzida da vida cotidiana. Uma porção desconhecida das emanações que podemos acessar em condições especiais são os entes inorgânicos, próximos e distantes, uma faixa tão próxima que é uma dimensão inter-conectada e dominante sobre a nossa, Os entes Inorgânicos ditos ´voadores´, outras faixas mais ou menos próximas e distantes, são as entidades que podem se tornar ´aliados´, enfim uma força das emanações livres da Àguia limitada por casulos próprios, mas que ao serem percebidas pra além de nossos inventários, são forças também intrínsecas a nosso próprio organismo, advém tando de dentro quanto de fora, de modo que os inorgânicos e aliados são forças abstratas no fundo, tal como ondas de energia, encapsuladas com casulos de conformação e brilho diverso ao dos humanos, assim como também o somos, apenas separados pela barreira da percepção derivada da fixação da posição do ponto de aglutinação, denominada primeira atenção, Uma vez rompida e expulso o ponto de aglutinação desta fixação, novas e poderosas percepções são aglutinadas, dentre as quais os entes inorgânicos denominados entes de sombras voadoras, aliados e outros variados entes projetores inorgânicos, a depender do grau de Ver, Sonhar, Recapitulação, Vontade e Intento alcançados pelo vidente e combatente/guerreira. (….)
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LEVEI ALGUNS MESES pra digitar e montar esta temática para nosso Grupo Nagualismo do Novo Ciclo Holístico/Criatividade, desde 14 de agosto até agora 14 de novembro 2018. Espero que sirva como preâmbulo para muitos, como serviu para eu aprofundar conexões e montar o quebra-cabeças. COMO esta temática não tem fim, e se distribui por todos os livros de Carlos Castaneda, deixamos aqui por hora o aprofundamento deste aspecto. Vicente Medrano. Avohai! Intento! ??