Uma vez, Carlos Castañeda realizou a seguinte pergunta a Don Juan:
“É possível que os guerreiros estejam apenas se preparando para a morte”?
“De maneira alguma”, respondeu enfaticamente Don Juan, batendo suavemente sobre o ombro de Castaneda e ressaltando logo em seguida:
“Os guerreiros preparam-se para ser conscientes, e a consciência plena só chega quando não há mais importância pessoal neles. Apenas quando são nada tornam-se tudo”!
Após essa resposta, Castaneda permaneceu calado por um momento. Mas Don Juan, após alguns instantes, rompe o silêncio e afirma: não se renda a agonia da auto-piedade. O ato de “tornar-se nada para ser tudo” é um tremendo golpe desferido sobre a bolha de auto importância cultivada pelos seres humanos. A respectiva resposta compõe um dos cernes dos ensinamentos do caminho do guerreiro e coloca em xeque nossa condição humana tal como a forma pela qual a preenchemos enquanto homens.
O que fazemos com nosso vazio?
Don Juan costumava dizer que “o objetivo dos guerreiros de sua linhagem era a liberdade total, que sua única busca era a liberação última, que chega ao se atingir a consciência total”.
Portanto, consciência plena e liberdade são uma única e mesma coisa na visão Tolteca. Mas onde estão nossas alternativas e como lidar com o choque corrosivo do desprendimento?
Don Juan explicou que as “alternativas humanas são tudo que somos capazes de escolher como pessoas”. Essas alternativas têm a ver com o nível de nossa atuação cotidiana, o conhecido; e, devido a esse fato, são bastante limitadas em número e alcance. As possibilidades humanas pertencem ao desconhecido. Não são aquilo que somos capazes de escolher, mas aquilo que temos capacidade de atingir. Don Juan citava que um exemplo das alternativas humanas é nossa opção de acreditar que o corpo humano é um objeto entre objetos: “para os videntes, estar vivo significa estar consciente. Para o homem comum, estar consciente significa ser um organismo”.
Para Don Juan, um exemplo das possibilidades humanas é o feito dos videntes ao verem o homem como um ser luminoso de forma oval. Com o corpo como objeto aborda-se o conhecido, com o corpo como ovo luminoso aborda-se o desconhecido; as possibilidades humanas têm, portanto, um alcance quase inesgotável!
A verdade é que todos os seres vivos estão lutando para morrer e o que detém a morte é a consciência. Deste modo, os guerreiros estão no mundo a fim de se treinarem para ser testemunhas imparciais; assim compreenderão o mistério de nós mesmos e desfrutarão a alegria de descobrir o que realmente somos.
Além disso, dizia Don Juan: “para ser um guerreiro imaculado, a pessoa precisa amar”.
Mas amar a quem ou o que?
A liberdade!
Um guerreiro precisa amar aquilo que há de mais pleno e impessoal no universo e deve ter um desprendimento supremo.
Don Juan citava que a liberdade era como uma doença contagiosa. É transmitida; seu portador é um Nagual impecável. As pessoas podem não apreciar isso, e é porque não desejam ser livres. A liberdade é assustadora.
O velho Nagual explicou que o que toma o caminho do guerreiro tão perigoso é que ele é o oposto da situação de vida do homem moderno. Dizia que o homem moderno abandonou o reino do desconhecido e do misterioso, instalando-se no reino do funcional. Voltou as costas ao mundo do proibitivo e da exultação e deu boas-vindas ao mundo do enfado. Receber a oportunidade de voltar novamente ao mistério do mundo – dizia Don Juan – é às vezes demais para os guerreiros, e eles sucumbem; são desviados pelo que chamou de “ a grande aventura do desconhecido”. Esquecem da busca da liberdade; esquecem de ser testemunhas imparciais.
Outra vez, após uma misteriosa experiência com um espelho imerso sob as águas de um riacho, Castaneda sentiu-se profundamente triste e melancólico com o que percebera. Era incapaz de compreender a razão pela qual se sentia extremamente abalado.
Dom Juan, então lhe respondeu:
– “Não há necessidade de ficar tão abatido. Você é o que é. A luta pela liberdade é mais difícil para alguns. Você é um deles. Na vida dos guerreiros é extremamente natural ficar triste sem razão clara. Os videntes dizem que o ovo luminoso, como campo de energia, sente seu destino final todas as vezes que os limites do conhecido são quebrados. Um mero vislumbre da eternidade fora do casulo é suficiente para romper o aconchego de nossos inventários. A melancolia resultante é, às vezes, tão intensa que pode até provocar a morte. A melhor maneira de livrar-se da melancolia é rir-se dela”!
E continuou:
– “Não existe nada mais solitário do que a eternidade. E nada é mais aconchegante para nós do que ser um ser humano. Com efeito, essa é outra contradição: como o homem pode manter os laços de sua condição de humanidade e ainda aventurar-se alegre e voluntariamente na absoluta solidão da eternidade”?
Quando você resolver esse enigma, estará pronto para a viagem definitiva. Os seres humanos na realidade não são coisa alguma.
Concluindo:
“É verdade que nada somos, mas é justamente isso que cria o desafio supremo: nós, que somos nada, podemos realmente encarar a solidão da eternidade”!
— Felipe Matus