A Liberdade total foi sugerida pelo nagual Juan Matus e seus companheiros entre outros termos como “passar como um jato pela Águia”, “manter a consciência que seria perdida no momento da morte”, “a liberdade de decolar, se dissolver, e ser como a chama de uma vela”, “queimar no fogo interior” e “entrar na terceira atenção’.
Essas sugestões porém são bastante abstratas pra maioria de nós leitores, e a compreensão delas, no âmbito não apenas intelectual mas existencial, passa pela assimilação e compreensão progressiva das demais partes deste conhecimento.
Vou aqui apresentar minha visão presente da Liberdade total.
Esse texto vai explorar certas camadas ou densidades do Abstrato (que são em si níveis diferentes de conscientização acessíveis a nós) dentro da linguagem do nagualismo, mas também conhecidas ou pelo menos parcialmente conhecidas em outros caminhos.
O texto pode proporcionar certos insights enriquecedores na medida em que um guerreiro ou guerreira tenha se aprofundado na espreita de si e nas raízes da percepção.
Ao transcender a identificação com a forma humana, um guerreiro ou guerreira recupera a memória de si como ponto de encaixe em um casulo luminoso.
Ele/Ela transfere sua atenção da conscientização pessoal (como parte do tonal) para a conscientização luminosa (no limiar entre a totalidade do tonal e o início do nagual).
Esse é o início da lembrança do “outro Eu”: um sentido de Eu mais profundo e estável, que se mantém em todas as posições acessíveis ao ponto de encaixe.
O ponto de encaixe mantém, por assim dizer, um pé no tonal e outro no nagual: ele conserva a individualidade da sua própria percepção, e a capacidade de se ver como parte da descrição que está alinhando, mas também é capaz de vislumbrar e imergir voluntariamente por certos períodos no seu vínculo com o Intento – a força da consciência em seu estado puro, abstrato e impessoal.
Há uma liberdade da auto-imagem e de todos os dramas da história pessoal, uma liberdade de perceber o aquieagora sem estar preso à forma humana, ou a qualquer outra forma que o tonal pessoal possa assumir em diferentes posições do ponto de encaixe.
Mas essa não é a Liberdade Total.
A identidade enquanto casulo está sujeita à morte, no momento em que essa bolha é estourada e a consciência individual é perdida, e junto com ela o sentimento de presença (aqui e agora).
Quando o ponto de encaixe transfere sua atenção totalmente do casulo para o Intento, uma nova mudança de nível de conscientização acontece.
Isso quer dizer que ele descarta toda descrição relativa ao espaço/tempo e conserva apenas a consciência, livre de toda e qualquer referência.
Ele deixa de ser o centro/testemunha da visão particular que está percebendo, e passa a ser o centro impessoal e atemporal do Intento.
Nesse estágio, ele adquire/descobre a liberdade incondicional de toda e qualquer descrição, e transcende o limiar do casulo da percepção: seu sentido de Eu adquire/descobre uma profundidade além-e-anterior à ação do tempo, anterior ao espaço, anterior ao nascimento (formação da bolha) e morte (dissolução da bolha).
Ele se torna totalmente livre potencialmente pra navegar com sua percepção pelo Intento, ou pra permanecer além-e-aquém dela como simples observador.
Esse estágio é com certa frequência interpretado por quem vislumbrou ou se estabilizou nele como a Liberdade Total, mas há ainda uma outra liberdade ao nosso alcance.
O Intento é uma força que surge do próprio Mar escuro na interação do Mar Escuro com os pontos de encaixe e casulos.
Uma mudança final de perspectiva é possível: a de se unir à própria perspectiva do Mar Escuro.
Até esse ponto, o ponto de encaixe é conservado, apenas é transformado.
O Intento é presenciado, e o sentido de ser está associado com ele.
Além desse ponto, a identidade enquanto Ponto de encaixe e enquanto Intento são descartadas.
O Intento (assim como todas as camadas da percepção) é testemunhado, e o sentido de ser está dissociado dele e de todo o espectro da consciência e da percepção.
Ele observa a partir de uma profundidade toda circundante que só pode ser sugerida como não-consciência, não manifesta, objetivamente infinita, imperceptível, incognoscível, além do alcance do brilho da consciência.
Quando essa mudança é atingida em vida, assim como nas demais, todos os níveis de conscientização anteriormente atingidos e suas respectivas possibilidades são conservadas, mas simultaneamente, há liberdade de todas elas.
O ponto de encaixe é capaz de jogar o jogo da criação.
Ele permanece cristalinamente consciente do seu vínculo com o Intento que abre o infinito criativo da percepção.
Ao mesmo tempo em que se torna mais e mais transparente à realidade original do Mar Escuro.
Livre para navegar, livre para criar, livre para perceber, livre para intentar novos intentos, livre para se dissolver no todo e na “escuridão” original, livre de todas essas liberdades.
J Christopher