Além de nossas tarefas como aprendizes de curandeiros, éramos ensinados e treinados no caminho do guerreiro, que entre eles é chamado Xiuhyollotl ohtli, que significa o caminho da sabedoria ou o caminho do coração. O fato é que, não importando a nomenclatura que se utilize, a meta é a mesma: a conexão com o espírito.

O homem moderno renunciou ao mundo mágico em favor da razão, e ao fazê-lo, “foi expulso do paraíso”, perdeu a sua conexão com o intento. O primeiro passo a ser dado para regressar ao estado natural é, portanto, querê-lo de todo o coração, logo, através do treinamento de guerreiro, passo a passo, se começa a limpar e reviver o vínculo de conexão com o intento.

A energia é cumulativa. Cada ato onde se exerce a vontade e se opta por portar-se impecavelmente ajuda e facilita o ato seguinte. Até colocar novamente em funcionamento o vínculo de conexão, está e a maneira de alcançar a integração.

Aprendemos e criamos o mundo com a atenção e o mantemos estável com a vontade. Dizemos que as coisas são assim ou assado, que acreditamos nisto ou naquilo, asseguramos que as coisas são tal ou qual maneira. Ao fazê-lo, os bruxos dizem que decretamos o mundo, estabelecemos seus parâmetros.

Dona Sílvia esclareceu este ponto quando disse:

“Decretar é como semear sementes de intento para que germinem mais adiante.”

O que ela queria dizer era que, ao colocarmos nosso intento em determinada coisa, isto posteriormente se torna realidade. Assim, é necessário sermos prudentes com nossos pensamentos e com as palavras que saem da nossa boca, pois enquanto não se tem controle, o intento que nos chega é cego.

Ela advertiu:

“Precisamos ser muito cuidadoso ao decretar porque isso funciona em ambos os sentidos. Com igual intensidade, pode-se decretar o amor ou o ódio, o perdão ou a vingança. Aqueles que escolhem o mal estão condenando a si mesmos, já que estamos atados aos nossos comandos e tudo que se decreta retorna mais adiante.

Não é que haja dois tipos de intento, e sim que a gente decreta a continuidade. Decretar deliberadamente o futuro é decretar o que vai ocorrer depois, e a maneira de fazê-lo é instigando o intento. Para este efeito, os bruxos costumam usar gestos e palavras encobertas entre outras técnicas; o que realmente importa é que depois de estabelecido o intento, o guerreiro deve guardar silêncio, esperar pacientemente e os resultados se darão.

Ao estar emaranhado com todos os nossos hábitos, vícios e sentimentos, cada um decreta inconscientemente as suas continuidades. O único modo de romper com esta cadeia é decretando o contrário.

“Pode nos dar um exemplo do que realmente é decretar?”, perguntou um dos ajudantes.

“Decretar é mais do que dizer automaticamente a você mesmo que tal coisa é assim ou assado,” – respondeu ela – “decretar é dar uma ordem a você mesmo e fazer mais do que o impossível para cumprí-la. No início pode ser difícil, entretanto, na medida em que você mantiver sua decisão repetidamente, chegará o tempo em que seus comandos serão a lei.

Dar um comando a si mesmo significa que você dá uma ordem a si mesmo. Um comando não é uma promessa, não é tentar ou experimentar, é uma ordem e é algo que deve ser obedecido. É algo muito mais profundo do que o mero desejo.

Uma vez dada a palavra, uma vez estabelecido um compromisso, se desencadeiam forças que forjam e moldam o mundo, assim, comprometemos a nossa vontade com a dos demais. Agora, se por qualquer razão nós faltamos com a nossa palavra, então debilitamos a nossa vontade e turvamos a nossa conexão com o intento.

Para estar no caminho é necessário pôr um pé no caminho. Não existe um substituto para isto.

Tome a si mesmo como exemplo – disse ao companheiro que havia feito a pergunta – vive se queixando de que não consegue entrar no ensonho, quando tudo o que deveria fazer é simplesmente se dar uma ordem, convencer a si mesmo de que já é um ensonhador, que já está lá.

Nós somos o que dizemos que somos, isto funciona tanto para o bem quanto para o mal. Se queremos modificar algo em nós, precisamos começar por repetir a modificação desejada. Inclusive, não tem muita importância se as afirmações que usarmos não forem de todo certas, pois com o tempo elas se fixam. Os nossos comandos se transformam nos comandos da águia.

A aplicação dos decretos se dá a cada momento, em cada decisão que fazemos, queiramos ou não. E o bruxo se pergunta: se eu tenho que decretar de uma maneira ou de outra, porque não fazê-lo de uma forma consciente e escolher o que mais me convenha?

Deste modo, ele efetivamente erradica de seu vocabulário os pensamentos, palavras e ideias negativas ou destrutivas que danificam e atrasam o seu progresso no caminho.

Quando tomamos uma decisão, por menor que esta seja, desencadeamos forças impodenráveis que podem muito bem conduzir-nos à nossa própria morte. Assim, toda e qualquer decisão conta porque, em um mundo onde a morte espreita, nada pode ser mais importante do que nada. O sentido de ser impecável vem de saber que decisão tomar e quanto tomá-la.

Nesta ocasião, um dos assistentes precisava falar algo a um companheiro que estava ausente, mas não tinha nenhum modo de comunicar-se com ele.

Dona Sílvia disse:

“Venha comigo um momento.”

Ela saiu de casa e deu um estridente assobio. Pelo modo como ela punha as mãos na boca, pensei que usava algum aparato para reproduzir o som, mas logo notei que ela não trazia nada. Repetiu o som várias vezes e voltou para dentro.

Disse:

“Agora só temos de esperar.”

Olhamos uns para os outros interrogativamente. Ela explicou:

“Nós curandeiros manejamos a manha das encruzilhadas, que é a aplicação da vontade no cruzamento do caminho, e é assim que conseguimos fazer muitas coisas, entre elas curar as pessoas.”

“A que coisas você se refere?” – perguntei.

“Para falar disso, tenho de explicar-lhes sobre a arte da interferência.” – disse ela, e logo chamou todos para que se reagrupassem.

“Devo advertir-lhes que o que vou explicar é de grande importância. Este conhecimento acarreta uma grande responsabilidade, é considerado segredo por alguns, mas nós aprendemos que somente aqueles que conseguem acumular suficiente poder são capazes de utilizar o que vou lhes dizer.

“Ao entender que estamos conectados a tudo que nos rodeia, tomamos humildemente nosso lugar na criação e logo observa-se cuidadosamente onde se situa o acoplamento entre um ponto e outro. Depois de descobrir isto, só é necessário aplicar aí a vontade de interferir com o funcionamento. Alguns usam os ritos para manter a atenção em foco por um longo período, todavia, com o tempo e a prática isto se torna desnecessário.

A pessoa decreta a continuidade. Para interferir no que quer que seja, primeiro é preciso decretá-lo.”

Ficou nos observando para ver nossa reação, então continuou:

“Vou ensinar-lhes um verso mágico, uma fórmula para que aprendam e repitam todas as noites, como se fosse a Ava Maria. Diz assim:” – e juntou as suas mãos como se rezasse.

“Imponho à minha vontade,
um intento inflexível.
De que uma vez tomada uma decisão,
A levarei à sua execução, ainda que isto me custe a vida.
Jamais me comprometerei com nada que não seja a minha vontade.”

Terminou seu encantamento fazendo o sinal da cruz, e então prosseguiu:

“As palavras, quando ditas com propósito e intento, carregam grande poder. O principal motivo para o homem comum estar vedado ao mundo do poder é nunca cumprir com as suas palavras.

Os guerreiros sabem que as palavras se vinculam diretamente com o intento, portanto, é necessário usá-las com propósito e, por isso, vigiam cuidadosamente tudo o que sai de suas bocas. Geralmente, as pessoas falam sem pensar e ao fazê-lo, expõem a si mesmas.

O guerreiro aplica as mesmas técnicas que usamos para ser uns idiotas, para deixar de sê-lo. Ele cria os seus próprios comandos. Em vez de repetir inconscientemente frases prontas, ele escolha deliberadamente quais comandos enfatizar.

Um guerreiro nunca dá força a sentimentos nocivos como inveja, ódio, rancor, etc… ele afoga-os em seu silêncio e os deixa morrer lentamente.”

“O que isso significa?”

“Significa que um guerreiro evita pronunciar frases com uma contação negativa a seus interesses, como por exemplo: ‘odeio isto ou aquilo’, ou ainda, ‘não suporto tal ou qual coisa’:; ao evitar estes e outros comandos similares, um guerreiro se limpa, se cura de conceitos que o debilitam.

Observem – disse ela – que a idéia é reforçar o positivo e diminuir o aspecto negativo. Quando as pessoas dizem NÃO façam isto ou aquilo, na verdade está sugerindo que SIM, o faça. Tal é a natureza humana; por isso, é importanto cultivar a mente com ideias de força e beleza para que através deste filtro olhemos o mundo. Se aprendemos uma palavra, o seu significado passa a ser parte atuante de nossas possibilidades; portanto, é sábio escolher deliberadamente palavras de ordem e força que ajudem a forjar em nós um caráter propício a dura luta dos guerreiros.

Por isso, os curandeiros escolhem deliberadamente afirmações que os fortaleçam, incorporam a seus vocabulários cotidianos palavras de bom humor, felicidade, saúde, vitalidade, enfim, palavras que os façam sentirem-se bem consigo mesmos.”

Em uma ocasião, enquanto cumpria com minhas tarefas, cantarolava distraidamente uma cançãr popular. Dona Sílvia chamou minha atenção para as palavras da canção, de modo que eu entendi como o tempo todo damos ordens a nós mesmos, coisas das quais não estamos conscientes.

“Uma palavra se desgasta quando adquire significados que debilitam sua essência e desviam sua intenção, assim, já não é impecável e não serve para uma afirmação de guerreiros. Os guerreiros evitam falar com este tipo de palavras ou frases.

Há palavras novas e fortes e palavras gastas. Quando uma palavra perde a força, é necessário substituí-la. Por exemplo, a palavra amor está tão comercializada que quase perdeu o seu significado, no entanto, quem ama de verdade sabe o que está por trás desta palavra, sabe que nela está implicado o abandono do ego. Portanto, é preciso ser muito cuidadoso com o uso das palavras. Se queres que estas mantenham o seu poder, jamais deves falhar com o intento.”

Ela nos propôs como exercício fazer uma lista de nossas repetições involuntárias, de tal modo que nos fizemos conscientes delas, então, nos instruiu como deveríamos substituir ou reafirmar positivamente os aspectos negativos que traziamos para assim poder anulá-los.

Para mim, foi uma grande vantagem fazer a lista enquanto participava com os demais companheiros porque os outros se dão conta das nossas repetições, nós não.

Seguindo o programa que ela propôs, dedicamo-nos à tarefa de fazer-nos conscientes de que temos um hábito de repetições. Em seguida, toma-se cada palavra ou frase que se tem o hábito de repetir e dá-se a ela um tratamento de fixação, ou seja, ao meditar sobre ela, após repetí-la muitas vezes de forma seguida, às vezes até em tom de brincadeira, as palavras perdem completamente o seu significado básico porque deixam de sugestionar-nos. Ao verter atenção sobre elas, automaticamente a carga de significados subconsciente vai desvanencendo.

Outro exercício interessante pelo qual passamos que produz grandes resultados, é atribuir valores arbitrários às palavras, além deste, outro exercício é fazer listas de certas palavras importantes a serem examinadas e colocá-las onde possamos vê-las.

Há casos de palavras que representam conjuntos de valores profundamente arraigados em nós e que são difíceis de expulsar de nossa fixação; estas devem ser tratadas como se fossem lembranças essenciais mediante a recapitulação.

Um provérbio comum entre eles era:

“Nossa vida é a soma do nosso intento. Assim o decretastes, assim és.”

“A palavra é tão poderosa que, por si só, tem o poder de mover o ponto de encaixe das pessoas, isto é o que acontece quando líderes carismáticos, que têm o dom da palavra, influenciam multidões. Trata-se de hipnose massiva.

Ser feliz é a maior realização que o guerreiro pode alcançar, por isso eles cultivam o bom humor, a arte de não se levar a sério, sabem como aplicar o poder da palavra para procurar a felicidade, o riso e o bem viver.”

Nossa conversa foi subitamente interrompida pela chegada do companheiro ausente.

Dona Sílvia, com um grande sorriso, acrescentou:

“Nunca falha.”

(O Segredo da Serpente Emplumada, Armando Torres)
(Compartilhado por Aoede)

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