“Quando chegou a hora do nagual partir, seu senso de responsabilidade e seu dever exigiram que ele avisasse a jovem sobre seu excesso de energia e as conseqüências prejudiciais que isso teria em sua vida e bem-estar, e que lhe pedisse que se juntasse ao mundo dos feiticeiros, pois essa seria a única defesa contra sua força autodestrutiva.
A jovem não respondeu. E o nagual Elias foi obrigado a dizer-lhe o que todos os naguais disseram a uma possível futura aprendiz ao longo das eras: que os brujos falam da bruxaria como um pássaro mágico e misterioso que para seu vôo por um momento para trazer esperança e propósito ao ser humano; que os feiticeiros vivem sob a asa deste pássaro, que chamam de ave da sabedoria, de pássaro da liberdade; e que eles o nutrem com sua dedicação e impecabilidade. Disse a ela que os brujos sabiam que o vôo do pássaro da liberdade era sempre em linha reta, já que ele não tinha como dar meia-volta, e que o pássaro da liberdade só poderia fazer duas coisas: levar as pessoas consigo ou deixá-las para trás.
O nagual Elias não podia falar com o jovem ator, que ainda estava mortalmente doente, da mesma maneira. O jovem não teve muita escolha. Ainda assim, o nagual disse a ele que se ele quisesse ser curado, ele teria que seguir o nagual incondicionalmente. O ator aceitou os termos instantaneamente.
No dia em que o nagual Elias e o ator foram embora, a jovem esperava em silêncio na saída da cidade. Ela não carregava malas, nem mesmo uma cesta. Ela parecia ter vindo apenas para se despedir. O nagual continuou andando sem olhar para ela, mas o ator, sendo carregado em uma maca, esforçou-se para lhe acenar e dizer adeus. Ela riu e se juntou a eles e fundiu-se silenciosamente ao grupo do nagual. Ela não teve dúvidas e nenhum problema em deixar tudo pra trás. Ela entendera perfeitamente que não havia uma segunda chance pra ela, que o pássaro da liberdade ou levava os feiticeiros ou os deixava para trás.
Dom Juan comentou que isso não era surpresa. A força da personalidade do nagual era sempre tão esmagadora que ele era praticamente irresistível, e o nagual Elias havia afetado profundamente essas duas pessoas. Ele teve três meses de interação diária para acostumá-los à sua consistência, seu distanciamento, sua objetividade. Eles se encantaram com sua sobriedade e, acima de tudo, com sua total dedicação a eles. Através de seu exemplo e de suas ações, o nagual Elias lhes dera uma visão sustentada do mundo dos feiticeiros: apoiador e estimulante, mas totalmente exigente. Era um mundo que admitia muitos poucos erros.
Don Juan lembrou-me então de algo que ele repetiu para mim muitas vezes, mas que eu sempre consegui evitar de pensar. Ele disse que eu não deveria esquecer, nem por um instante, que o pássaro da liberdade tinha muita pouca paciência com a indecisão, e que quando voa para longe, nunca mais volta. A ressonância arrepiante de sua voz fez com que os arredores, que apenas um segundo antes tinham sido pacificamente escuros, ficassem repletos de um senso de imediatismo.
Dom Juan convocou a escuridão pacífica de volta tão rápido quanto ele convocara a urgência. Ele me deu um soco leve no braço.
– Aquela mulher era tão poderosa que podia lidar com qualquer um – disse ele. O nome dela era Talia.”
(O Poder do Silêncio, Carlos Castañeda)