“-Só há uma coisa errada com você… pensa que tem muito tempo. – Parou e olhou para mim como se esperando minha reação.- Você pensa que tem muito tempo.

– Muito tempo para quê, dom Juan?

– Pensa que sua vida vai durar para sempre.

– Não penso não.

– Então, se não pensa que sua vida vai durar para sempre, o que é que está esperando? Por que tanta relutância em se modificar?

– Já lhe ocorreu, dom Juan, que posso não querer me modificar.

(…)

– Você não tem tempo pra essa encenação, seu tolo.- falou num tom severo. Não tem tempo, meu amigo. Nenhum de nós tem tempo – disse ele.

(…)

Disse-lhe que meu desacordo não era banal, mas vinha da convicção de que o mundo e eu tínhamos uma continuidade interminável.

Dom Juan pareceu divertir-se com meus esforços para fazer sentido. Riu e sacudiu a cabeça, coçou o cabelo e por fim, quando falei de uma “continuidade interminável”, atirou o chapéu no chão, pisoteando-o. Acabei rindo da palhaçada dele.

– Você não tem tempo, meu amigo. – falou- E é essa a desgraça dos seres humanos. Nenhum de nós tem tempo suficiente, e sua continuidade não tem significado neste mundo assombroso e misterioso. Sua ´continuidade´só o torna tímido. Seus atos não podem ter o discernimento, o poder, a força intensiva que tem os atos de um humano que sabe com todo seu ser que está travando sua última batalha na terra, pois nada pode dar certeza que terá continuidade. Em outras palavras, sua continuidade não o torna feliz nem inteiro.

Confessei que tinha medo de pensar que ia morrer, e acusei-o de me causar muita apreensão com sua insistência e conversas constantes sobre a morte.

– Mas todos somos seres para a morte – disse ele- Apontou para uns morros ao longe. – Há alguma coisa ali me esperando, e por certo irei ter lá, também é certo. Mas talvez com você seja diferente, e a morte não o esteja esperando por você, de todo.

Ele riu diante de meu gesto de desespero.

– Não quero pensar nisso, dom Juan.

– Não disse que deva preocupar-se, mas concentre-se no elo entre você e sua morte, sem remorsos, sem tristeza, sem compulsão, nem medo. Focalize sua atenção sobre o fato de que você não tem tempo e deixe que seus atos sigam de acordo. Deixe que seus atos sejam sua última batalha na terra. Só nessas condições é que seus atos terão o devido poder. Senão eles serão, enquanto você viver, os atos de um humano tímido.

– E é assim tão terrível ser um humano tímido?

– Não. Não é se você é um ser imortal, mas se você vai morrer, não há tempo pra timidez, simplesmente porque a timidez o leva a se agarrar a alguma coisa que só existe na sua imaginação. Acalma-o, mas então este mundo assombroso abrirá sua boca para você, como abrirá pra todos nós, e nesse momento compreenderá que seus métodos não eram barreira contra nada. Ser tímido impede que avancemos e exploremos nossa condição de ser humanos. Um caçador de poder, um guerreiro, avalia cada ato, e como tem conhecimento íntimo de sua morte, procede sabiamente, como se cada ato fosse sua última batalha. (..) É natural que seu último ato na terra seja o que há de melhor nele. Você vai levar anos pra se convencer e levará anos pra agir de acordo, só espero que você tenha tempo pra isso. As forças que dirigem o destino dos homens e das coisas são imprevisíveis e assombrosas, e no entanto, o esplendor delas é coisa de se ver. (…)

Queria sondá-lo mais, porém, antes de que eu pudesse perguntar mais alguma coisa, dom Juan levantou-se. Fiquei boquiaberto. Levantara-se com um único movimento; seu corpo simplesmente se sacudiu e ele estava em pé!”

(Viagem a Ixtlan, Carlos Castañeda)

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