“Porém, como muitos grupos não conseguem chegar à sua plenitude energética os naguais construíram um oásis habitável dentro da segunda atenção, um enorme edifício de intento em algum ponto afastado do ensonho, para onde vão os videntes solitariamente ou em pequenos grupos. Eu o chamo ‘a cúpula do intento’, porque tem essa forma à vista, porém don Juan preferia chamá-lo de ‘o cemitério dos naguais'”.
“Por que o chamava assim?”
“Porque ficar vivendo nesse espaço implica a morte literal do bruxo. Em um sentido nada alegórico, é um cemitério. Ainda quando os que escolhem esse destino hajam alcançado a expansão de suas consciências por um enorme período de tempo, eles terão que prescindir dela quando chegue o momento”.
“Assim, para muitos bruxos, o objetivo imediato da partida é normalmente a cúpula dos naguais, na esperança de poder usá-la como um porto passageiro onde se acumulam provisões para uma grande expedição. Para chegar até ali não é necessário que o grupo inteiro parta de uma vez só. Em certas ocasiões os guerreiros escolhem ir de um em um. Nesse caso, podem voltar parcialmente, enquanto não se complete a totalidade da estrutura energética do grupo”.
“Como você entenderá, os desafios em que os guerreiros se envolvem durante sua existência humana são apenas o prelúdio; a coisa tremenda vem depois. Não me pergunte a que eles se dedicam enquanto permanecerem naquele mundo, para você isto soaria como uma história de fadas. A coisa importante é que todas as suas atividades estão regidas pela regra”.
Comentei que, levando em consideração o objetivo da partida, a regra poderia ser interpretada como o equivalente pré-hispânico do que outras culturas chamaram “leis divinas”, quer dizer, um grupo de normas desenhadas para a salvação do homem.
Respondeu:
“Não é igual, porque não parte de um ser supremo. O mecanismo dó regulamento é impessoal, carece de bondade ou compaixão. Não tem mais objetivo do que sua própria continuidade”.
“Deixando-se seduzir pelas analogias, os antigos videntes cometeram o erro de identificar o regulamento com suas interpretações particulares, e terminaram adorando-na e erigindo templos em sua honra. Os novos repudiaram tudo isso. Ao explorar a espreita, eles desempoeiraram a essência da bruxaria e redescobriram a meta da liberdade total, que não se parece em nada com as metas religiosas. Isso apagou neles a fascinação pelo molde humano, mas teve um efeito secundário que já expliquei: o desenfreado entusiasmo dos antigos foi substituído por atitudes furtivas e de desconfiança”.
“O efeito da espreita sobre os grupos terminou traindo os motivos iniciais. Com o tempo, o objetivo da liberdade total chegou a propor-se só de forma retórica. Quase todos os bruxos da linhagem de don Juan preferiram o vôo à segunda atenção. Excluindo ao nagual Julian Osorio, nenhum deles quis privar-se da aventura e do êxtase de visitar a cúpula dos naguais, construída de intento lá em uma das estrelas da constelação de Órion”.
(Encontros com o Nagual, Armando Torres)
(Compartilhado por Arpelau)