“Uma criatura mágica é um espetáculo. Tive a felicidade de cruzar o caminho de uma delas, uma vez. Nosso encontro se deu depois de eu já ter aprendido e praticado muito para caçar. Certa vez eu estava numa floresta de árvores grossas nas montanhas do México Central, quando, de repente, ouvi um assobio suave. Era desconhecido para mim; nunca, em todos meus anos de vagar pelo sertão, eu ouvira um som como aquele. Não consegui localizá-la; parecia vir de vários lugares. Pensei que talvez eu estivesse rodeado por uma manada ou um bando de animais desconhecidos”.
“Tornei a ouvir o assobio provocante; parecia vir de todos os lados. Então compreendi minha boa sorte. Notei que era uma criatura mágica, um veado. Vi ainda que um veado mágico conhece a rotina dos homens comuns e a rotina dos caçadores”.
“E muito fácil imaginar o que faria um homem comum numa situação daquelas. Primeiro de tudo, seu medo o tornaria imediatamente uma presa. E uma vez que ele se torna uma presa tem dois caminhos a seguir. Ou foge, ou fica firme. Se ele não estiver armado, normalmente corre para o campo aberto e foge à toda. Se está armado, prepara a arma e depois fica firme, ou permanecendo rígido no mesmo lugar, ou caindo por terra.
“Um caçador, ao contrário, quando anda de tocaia no mato, nunca entra em lugar algum sem verificar seus pontos de proteção e, portanto, ele imediatamente se abriga. Pode jogar o poncho ao chão ou pendurá-lo em uma árvore, como engodo, e depois esconder-se para esperar até a caça dar o próximo passo.
“Assim, em presença do veado mágico eu não procedi como nenhum dos dois. Rapidamente, fiquei de pernas para o ar, plantando uma bananeira, e comecei a gemer baixinho; cheguei a chorar, soluçando por tanto tempo que pensei desmaiar. De repente, senti uma brisa suave; alguma coisa estava cheirando meu cabelo, por trás de minha orelha direita. Tentei virar a cabeça para ver o que era; caí e sentei-me a tempo de ver uma criatura radiosa olhando para mim. O veado olhou para mim e eu lhe disse que não lhe faria mal. E o veado falou comigo.”
Dom Juan parou e olhou para mim. Eu sorri, sem querer. A idéia de um veado falante era bastante incrível, para dizer o mínimo.
— Ele falou comigo — disse Dom Juan, com um sorriso.
— O veado falou?
— Sim.
Dom Juan levantou-se e pegou sua trouxa de parafernália de caça.
— Falou mesmo? — perguntei, perplexo. Dom Juan. riu, às gargalhadas.
— O que foi que ele disse? — perguntei, meio de brincadeira. Achei que ele estava mexendo comigo. Dom Juan. ficou calado por um momento, como se estivesse querendo recordar-se, e depois seus olhos reluziram e ele me disse o que o veado falara.
— O veado mágico disse: “Olá, amigo” — continuou Dom Juan. — E eu respondi: “Olá.” Depois, ele me perguntou: “Por que você está chorando?”; e eu disse: “Porque estou triste.” Então, a criatura mágica chegou junto de meu ouvido e disse, tão claramente como eu estou falando agora: “Não fique triste”.
Dom Juan olhou dentro de meus olhos. O olhar dele tinha um brilho de malícia pura. Voltou a rir com vontade.
Eu falei que o diálogo dele com o veado tinha sido meio bobo.
— O que é que você esperava? — perguntou, ainda rindo. — Eu sou índio.
Seu senso de humor era tão extravagante que não pude deixar de rir com ele.
— Não acredita que um veado mágico possa falar, não é?
— Sinto muito, mas não consigo acreditar que aconteçam coisas assim — respondi.
— Não me admira — disse ele, tranqüilizando-me. — E uma das coisas mais danadas.”
(Viagem a Ixtlan, Carlos Castañeda)