“Ela vacilou um instante, e depois ficou ali calada, olhando para a casa. Pôs as mãos juntas logo abaixo do umbigo. Depois virou-se de frente para o vale e repetiu o mesmo movimento com as mãos.
Eu sabia o que ela estava fazendo. Estava-se despedindo da sua casa e daqueles morros temíveis que a rodeavam.
Dom Juan me ensinara aquele gesto de despedida anos atrás. Frisara que era um gesto extremamente poderoso e que o guerreiro tinha de usá-lo com parcimônia. Eu tinha tido muito poucas ocasiões de usá-lo, pessoalmente.
O gesto de despedida que a Gorda estava fazendo era uma variação do que Dom Juan me ensinara. Ele dissera que as mãos ficavam postas, como na oração, ou delicadamente ou muito depressa, produzindo até um barulho de palmas. De qualquer das duas maneiras, o propósito de cruzar as mãos era apreender o sentimento que o guerreiro não queria deixar para trás. Assim que as mãos se fechavam e capturavam aquele sentimento, eram levadas com muita força para o meio do peito, no nível do coração. Ali o sentimento tornava-se um punhal e o guerreiro se apunhalava com ele, como se segurasse o punhal com ambas as mãos.
Dom Juan me dissera que o guerreiro dizia adeus dessa maneira apenas quando tinha motivos para achar que poderia não voltar.
A despedida da Gorda empolgou-me.
– Você está-se despedindo? – perguntei, curioso.
– Estou – disse ela, secamente.
– Não põe as mãos no peito? – perguntei.
– Os homens é que fazem isso. As mulheres têm úteros. Guardam os sentimentos ali.
– Você não diz adeus assim só quando não vai voltar? – perguntei.
– É possível que eu não volte – respondeu ela. – Vou com você.
Tive um acesso de uma tristeza inexplicável, inexplicável no sentido de que eu não conhecia aquela mulher em absoluto. Sobre ela eu só tinha dúvidas e desconfianças. Mas, ao olhar em seus olhos úmidos, tive uma sensação de parentesco total com ela. Abrandei-me. A minha raiva desaparecera e cedera lugar a uma estranha tristeza. Olhei em volta e vi que aqueles morros redondos, misteriosos e enormes estavam-me dilacerando.
– Aqueles morros estão vivos – disse ela, interpretando os meus pensamentos.
Virei-me para ela e disse-lhe que tanto o lugar como as mulheres me haviam afetado num plano muito profundo, um plano que eu normalmente nem podia conceber. Eu não sabia o que era mais arrasador, se o lugar ou as mulheres. Os assaltos das mulheres tinham sido diretos e aterradores, mas o efeito daqueles morros era uma apreensão constante e aflitiva, um desejo de fugir deles. Quando eu disse isso à Gorda, ela disse que eu tinha razão em julgar assim o efeito daquele lugar, e que o Nagual as deixara ali devido àquele efeito e que eu não devia culpar ninguém pelo que acontecera, pois o próprio Nagual dera ordens àquelas mulheres para tentarem liquidar-me.”
(O Segundo Circulo do Poder, Carlos Castañeda)