“- Como é que um homem de conhecimento pratica a loucura controlada, quando se trata da morte de uma pessoa que ele ama?
Dom Juan foi colhido de surpresa por minha pergunta e olhou para mim de modo estranho.
– Veja seu neto, Lucio, por exemplo – disse eu. – Seus atos seriam loucura controlada, no momento da morte dele?
– Veja meu filho Eulálio, é um exemplo melhor – respondeu Dom Juan, calmamente. – Foi esmagado pelas pedras quando trabalhava na construção da Estrada de Rodagem Pan-Americana. Meus atos para com ele no momento de sua morte foram loucura controlada. Quando cheguei à área das explosões, ele estava quase morto, mas o corpo dele era tão forte que continuava a se mexer e dar pontapés. Fiquei diante dele e disse aos rapazes da turma da estrada para não mexerem mais nele; obedeceram-me e ficaram ali em volta de meu filho, olhando para o corpo estraçalhado. Também fiquei ali, mas não olhei. Desviei os olhos para poder ver sua vida pessoal se desintegrando, expandindo-se incontrolavelmente além de seus limites, como uma neblina de cristais, pois é assim que a vida e a morte se misturam e expandem. Foi o que fiz no momento da morte de meu filho. E só isso que se poderia fazer, e isso é loucura controlada. Se eu tivesse olhado para ele, teria visto que ele ficava imóvel e teria sentido um grito dentro de mim, pois nunca mais havia eu de ver sua bela figura andando pela terra. Em vez disso, eu vi a morte dele, e não houve tristeza, nem sentimento algum. Sua morte foi igual a tudo o mais.
Dom Juan foi calado por algum tempo. Parecia triste, mas depois sorriu e bateu na minha cabeça.
– Por isso você pode dizer que, quando se trata da morte de uma pessoa que eu amo, minha loucura controlada consiste em desviar o olhar.
Pensei nas pessoas que eu mesmo amo e uma onda de autocomiseração terrivelmente opressiva me envolveu.
– Sorte a sua Dom Juan – falei. – Pode desviar o olhar, mas eu só posso olhar.
Ele achou graça naquilo e riu.
– Sorte, uma bosta! É trabalho duro.”
(Uma Estranha Realidade, Carlos Castañeda)