“Carlos continuou explicando que a auto-importância se alimenta da mesma classe de energia que nos permite “ensonhar”. Portanto, perdê-la é a condição básica do nagualismo, porque libera para nosso uso um excedente de energia; porque sem essa precaução, o caminho do guerreiro poderia nos converter em umas aberrações.
“Isso é o que aconteceu a muitos aprendizes. Eles começaram bem, acumulando sua energia e desenvolvendo suas potencialidades. Mas eles não perceberam que, à medida em que conseguiam poder, eles também nutriam em seu interior um parasita. Se nós vamos ceder às pressões do ego, é preferível que o façamos como homens comuns e normais, porque um bruxo que se considera importante é a coisa mais triste que há”.
“Considerem que a importância pessoal é traiçoeira; pode se disfarçar debaixo de uma fachada de humildade quase impecável porque não tem pressa. Depois de uma vida inteira de práticas, basta um mínimo descuido, um pequeno deslize e ali está ela, novamente, como um vírus que foi incubado em silêncio ou como essas rãs que esperam durante anos debaixo da areia do deserto e com as primeiras gotas de chuva despertam de sua letargia e se reproduzem”.
“A importância pessoal se pode combater de diversos modos, mas primeiro é necessário saber que está aí. Se você tem um defeito e o reconhece, já é meio caminho andado!”
“Ordinariamente, a importância pessoal se alimenta de nossos sentimentos, que podem ir do desejo de estar bem e ser aceito pelos outros, até a arrogância e o sarcasmo. Mas sua área de ação favorita é a compaixão por si mesmo e pelos demais. De forma que para espreitá la, temos, acima de tudo, que decompor nossos sentimentos em suas mínimas partículas, descobrindo as fontes das quais se nutrem”.
COMENTÁRIO (La Loba): A busca de um desprendimento gradual da forma, que visa sobriamente a descentralização da atenção da mente forânea traz abruptamente uma energia excedente para o ensonhar.
Cabe nesse processo conduzir a visão da auto importância para a espreita da humildade, para compenetrar o ser na ciência do perigo de deter o acumulo de energia no enfeitamento de si próprio. O guerreiro cria um mito, mas que deve estar voltado para a construção da não piedade e não compaixão. É um mito traiçoeiro assim como a auto importância, por isso perpetua-se na consciência como um alarme para combater o tirano de si mesmo.
“Uma vez que vocês tenham dissecado seus sentimentos, devem aprender como canalizar seus esforços mais além da faixa do interesse humano, até o lugar da não piedade. Para os videntes, esse lugar é uma área de nossa luminosidade tão funcional como é a área da racionalidade. Nós podemos aprender a avaliar o mundo de um ponto de vista desapegado, da mesma que nós aprendemos, quando crianças, a avaliá-lo a partir da razão. Só que o desapego, como ponto de enfoque da atenção, está muito mais próximo da realidade energética das coisas”.
“Sem essa precaução, a convulsão emocional resultante do exercício de espreitar a nossa auto-importância pode ser tão dolorosa que o aprendiz pode ficar louco ou ser levado ao suicídio. Quando ele aprender a contemplar o mundo a partir da não compaixão, intuindo que por trás de toda a situação que implique um desgaste energético há um universo impessoal, o aprendiz deixa de ser um nó de sentimentos e se torna um ser fluido”.
COMENTÁRIO (La Loba): A convulsão emocional é perceptível ao passo que o combatente se propõe a espreitar sua autoimportancia. O caminho da disciplina não é fácil, é o caminho para não ter piedade de si, ao mesmo tempo que onde há intento também tem amor. O aviso é de que a compaixão gera a auto indulgencia. O mito do combate é para permanecer forte no processo de intentar a extinção pessoal, e a postura de não compaixão é o que pode dar suporte suficiente para enfrentar a tempestade dessa extinção gradual que se mostra como uma amplitude da percepção.
“A não compaixão chega de surpresa. A ela se intenta pouco a pouco, durante anos de pressão contínua. Mas acontece de repente, como uma vibração instantânea que quebra nosso molde e nos permite olhar para o mundo a partir de um sorriso sereno. E pela primeira vez em muitos anos, sentimo-nos livres do terrível peso de sermos nós mesmos e vemos a realidade que nos cerca. Uma vez aí já não estamos sozinhos; um incrível empurrão nos espera, uma ajuda que vem das entranhas da águia e nos transporta por um milissegundo a universos de sobriedade e sensatez”.
“Ao não termos compaixão, podemos enfrentar com elegância o impacto de nossa extinção pessoal. A morte é a força que dá ao guerreiro valor e moderação. Só olhando através de seus olhos nos damos conta de que nós não somos importantes. Então ela vem viver ao nosso lado e começa a nos transmitir seus segredos”.
“O contato com sua transcendência deixa uma marca indelével no caráter do aprendiz. Este entende de uma vez por todas que toda energia do Universo está conectada. Não há um mundo de objetos que se relacionam entre si através de leis físicas. O que existe é um panorama de emanações luminosas inextrincavelmente ligadas, no qual nós podemos fazer interpretações na medida em que o poder de nossa percepção o permita. Todas as nossas ações contam, porque elas desencadeiam avalanches no infinito. Por isso nenhuma vale mais que outra, nenhuma é mais importante que outra”.
“Essa visão corta de uma vez só a tendência que nós temos de ser indulgentes com a gente mesmo. Ao ser testemunha do vínculo universal, o guerreiro cai presa de sentimentos desencontrados. Por um lado, júbilo indescritível e uma reverência suprema e impessoal por tudo que existe. Por outro, um sentido de fim inevitável e tristeza profunda que nada tem que ver com a auto-compaixão; uma tristeza que vem do seio do infinito, uma rajada de solidão que nunca desaparece”.
“Esse sentimento depurado dá para o guerreiro a sobriedade, a fineza, o silêncio de que ele precisa para intentar aí onde todas as razões humanas fracassam. Em tais condições, a importância pessoal fenece por si mesma”.
(Encontros com o Nagual, Armando Torres, com Comentários de La Loba)