“Aceitei agradecida o apoio do seu braço, e quase cai de bruços ao sair pelo pátio, não tanto por causa da minha debilidade e sim pela surpresa que me causou comprovar o quão tarde era.
—O que acontece? — perguntou Florinda. —Se sente fraca?
Apontei o céu. Restava apenas um resto de luz.
—Não é possível que tenha perdido um dia inteiro — disse, com voz apagada.
Lutei por assimilar a idéia de que haviam transcorrido toda uma noite e todo um dia, mas minha mente não pôde aceitar. O fato de não poder calcular o tempo de acordo com as expectativas normais me desorientava.
— Os feiticeiros quebram o fluir do tempo — explicou Florinda, interpretando meus pensamentos. — O tempo, tal como nós o medimos, não existe quando se ensonha como o fazem os feiticeiros. Eles o estendem ou condensam à vontade, e não o consideram em termos de horas ou minutos. Ao ensonharem despertos, aumentam suas faculdades perceptivas — prosseguiu em tom paciente e medido. — Com o tempo, porém, acontece algo inteiramente distinto. A percepção do tempo não aumenta, mas ao invés disso fica totalmente cancelada.
Acrescentou que o tempo é sempre um fator de consciência, ou seja, que sua percepção é um estado psicológico, automaticamente transformado por nós em medidas físicas. É algo que levamos tão enraizado que, ainda quando não o percebamos, um relógio soa em nosso interior, marcando subliminarmente o tempo.
—No ensonhar desperta — enfatizou — essa capacidade está ausente. Uma estrutura completamente nova e nada familiar assume o controle; uma estrutura que de alguma maneira não é para ser interpretada ou entendida como normalmente fazemos com o tempo.
— Ou seja, tudo o que saberei conscientemente acerca do ensonhar desperto é que, com relação ao tempo, ele poderá ter sido estendido ou comprimido — disse, procurando entender a explicação.
—Compreenderá muito mais que isso — assegurou com ênfase. — Quando for expert em penetrar na consciência intensificada, como a chama Mariano Aureliano, terá consciência de tudo o que deseje, pois os feiticeiros não estão envolvidos com medir o tempo e sim em usá-lo, em estendê-lo ou comprimi-lo à vontade.
—A pouco você disse que todos me ajudaram a ensonhar — afirmei. — Neste caso, alguém deve saber o quanto durou meu ensonho.
Florinda respondeu que ela e seus companheiros viviam permanentemente num estado de ensonhar desperto, e que era precisamente seu esforço conjunto o que me fez ensonhar, mas que jamais levavam conta de sua duração.
—Quer inferir que posso estar ensonhando desperta agora? — perguntei, sabendo de antemão o que responderia. —Se é assim, o que fiz para alcançar este estado? Quais passos tomei?
—Os mais simples imagináveis — respondeu Florinda. —Não se permitiu ser o seu ser usual. Esta é a chave que abre portas. Muitas vezes, e de diferentes maneiras, temos lhe dito que a feitiçaria não é o que pensa que é. Dizer que não se permitir ser seu ser usual é o segredo mais complexo da feitiçaria, soa bobo, mas não o é. É a chave para o poder, e portanto o mais difícil que faz uma feiticeira; e ainda assim, não é algo complexo, nem impossível de entender. Não impressiona a mente, e por essa razão ninguém pode sequer suspeitar de sua importância ou tomá-lo a sério. A julgar pelo resultado de sua última sessão de ensonhar desperta, posso dizer que você acumulou suficiente energia mediante o ato de se impedir de ser seu ser usual.
Deu um tapinha em meu ombro e sussurrou:
—Te verei na cozinha.”
(Sonhos Lúcidos, Florinda Donner Grau)