“Coloquei minha bolsa na cama e me olhei no espelho do banheiro. Eu queria lavar o cabelo, mas Carlos havia dito que nos encontraríamos em quinze minutos e eu não queria deixá-lo esperando. Além disso, não queria que ele pensasse que eu era uma daquelas mulheres que passam horas se arrumando na frente do espelho. Clara tinha me curado disso.
Como não havia espelhos em sua casa, acostumei-me a fazer minha higiene diária com a máxima eficiência. Clara também me convenceu a parar de usar maquiagem, que ela disse que bloqueava o fluxo natural de energia ao redor do rosto. No dia seguinte à minha chegada na casa dela, ela me entregou uma caixa de lenços de papel e disse, em termos que não admitiam dúvidas, para limpar meu batom.
Senti vergonha e raiva porque isso me lembrou de uma cena que aconteceu no início do ensino médio, quando a irmã Beatriz me abordou na sala de aula, me entregou um lenço de papel descartável e me fez tirar o batom que estava usando. Agora Clara estava querendo fazer o mesmo e isso me parecia ridículo.
“Sou livre, branca e tenho 21 anos”, disse eu, “e definitivamente tenho idade para usar batom.”
“Não tem nada a ver com a idade”, disse Clara com firmeza. Se você quer ser um palhaço e pintar a cara, vá em frente. Mas pra armazenar energia, a pele, especialmente ao redor da boca, olhos e testa, deve estar livre de substâncias nocivas. Até mesmo a loção facial deve ser usada com moderação.
Ela fez uma longa digressão sobre como os produtos químicos, até mesmo a chamada maquiagem orgânica, são absorvidos pela pele e ingeridos, como no caso do batom, por meio do contato com a língua.
- E quanto ao rímel? Eu disse irritada. Você quer que eu pareça um coelho de olhos rosados?
Clara ergueu as mãos exasperada. “Melhor parecer um coelho do que um morcego dos infernos”, disse ela. “Aquela coisa preta corre ao redor dos cantos dos seus olhos porque você os esfrega constantemente.” Por que não deixar seu rosto natural? Não há homens por aqui para que chame sua atenção.
“Se eu não colocar um pouco de blush, vou parecer um cadáver ressuscitado”, insisti.
“Você vai parecer um cadáver ressuscitado se usar blush”, Clara disse enquanto deslizava meu conjunto de maquiagem do balcão para a lata de lixo. Pare de usar e você notará como o brilho natural da sua pele e sua cor vão voltar. Pense em quanto tempo você economizaria se não precisasse se preocupar com sua aparência. Além disso, como eu disse, você não está aqui para pegar um homem. É disso que se trata a maquiagem. Estou certa? -.
Ela estava certa. Revistas de moda e anúncios levam a crer que uma mulher não está vestida a menos que tenha colocado maquiagem. Decidi seguir suas sugestões e apenas duas semanas depois, segundo Clara, minha pele pálida, que tinha sido sistematicamente tornada opaca, havia recuperado seu brilho natural.”
(Taisha Abelar, Textos Inéditos)