“-Por que está fazendo tudo isso por mim, dom Juan? – indaguei.
– Estou fazendo um gesto por você – falou, baixinho. – Outras pessoas já fizeram gestos semelhantes por você; um dia você também fará um gesto por outros. Digamos que é minha vez. Um dia, descobri que, se queria ser um caçador digno de respeito próprio, teria de mudar meu modo de vida. Eu costumava gemer e reclamar muito. Tinha bons motivos para me sentir lesado. Sou índio e os índios são tratados como cães. Não havia nada que eu pudesse fazer para remediar isso, de modo que só restava minha tristeza. Mas então, minha boa sorte me poupou, e alguém me ensinou a caçar. E compreendi que viver como eu vivia não valia a pena…de modo que mudei.
– Mas eu estou satisfeito com minha vida, dom Juan. Por que eu havia de modificá-la?
Começou a cantarolar uma canção mexicana, muito baixinho, e depois entoou a melodia. A cabeça dele subia e descia acompanhando o ritmo da canção.
– Acha que você e eu somos iguais? – perguntou, numa voz ríspida.
Sua pergunta me pegou desprevenido. Senti um zumbido estranho nos ouvidos, como se ele tivesse gritado as palavras, o que não fizera; no entanto, havia um tom metálico na voz dele, que reverberava em meus ouvidos.
Cocei o interior de meu ouvido esquerdo com o dedo mindinho de minha mão esquerda. Meus ouvidos comichavam o tempo todo e eu tinha adquirido um tique nervoso de coçar o interior deles com o dedo mindinho de uma das mãos. O movimento parecia mais uma sacudidela de todo meu braço. Dom Juan ficou olhando meus movimentos, aparentemente fascinado.
– E então… somos iguais? – perguntou.
– Claro que somos iguais.
Naturalmente, eu estava sendo condescendente. Eu tinha muita afeição por ele, embora, às vezes, não soubesse o que fazer dele; no entanto, no meu íntimo eu ainda acreditava, embora nunca o dissesse, por ser um estudante universitário, um homem do sofisticado mundo ocidental, que eu era superior a um índio.
– Não – disse ele calmamente. – Não somos.
– Ora, por certo que somos. – protestei.
– Não – replicou, baixinho. – Não somos iguais. Sou um caçador e um guerreiro e você é um fresco.
Fiquei boquiaberto. Não podia acreditar que dom Juan tivesse realmente dito aquilo. Larguei meu bloco, olhei para ele, embatucado, e depois, naturalmente, fiquei furioso.
Fitou-me com olhos calmos e controlados. Desviei o olhar. E então ele começou a falar. Pronunciava as palavras com clareza. Saíam macias e mortíferas. Disse que eu estava sendo fresco por outras pessoas. Que não estava travando minhas próprias batalhas, e sim as batalhas de gente desconhecida. Que eu não queria aprender a conhecer plantas nem a caçar nem coisa alguma. E que o mundo dele, de atos, sentimentos e decisões precisas, era infinitamente mais eficaz do que a idiotice trapalhona que eu chamava de “minha vida”.
Depois que ele acabou de falar, fiquei paralisado. Tinha-se expressado sem truculência, nem convencimento, mas com tal poder e, no entanto, com tamanha calma, que eu nem estava mais zangado.
Ficamos calados. Eu estava constrangido e não conseguia pensar em nada adequado para dizer. Esperei que ele rompesse o silêncio. Passaram-se horas. Dom Juan foi ficando imóvel aos poucos, até seu corpo adquirir uma estranha rigidez, quase assustadora; ficou difícil distinguir seu vulto, pois escurecia, e por fim, quando estava tudo escuro como breu em volta de nós, ele parecia ter-se fundido no negrume das pedras. Seu estado de imobilidade permaneceu tão total que era como se ele não existisse mais.
Já era avançado da noite quando, afinal, entendi que ele poderia e ficaria ali imóvel naquele sertão, naquelas pedras, talvez para sempre, se preciso. Seu mundo de atos, sentimentos e decisões precisas era realmente superior.
Toquei de leve no braço dele e as lágrimas me inundaram.”
(Viagem a Ixtlan, Carlos Castañeda)