“- Aquilo que você me disse hoje à tarde sobre a loucura controlada me perturbou muito. Não consigo compreender o que você queria dizer.
– Claro que não consegue compreender – falou. – Você está tentando pensar a respeito, e o que eu disse não se coaduna com seus pensamentos.
– Estou tentando pensar a respeito, porque esse é o único meio pelo qual eu, pessoalmente, consigo entender alguma coisa. Por exemplo, Dom Juan, quer dizer que uma vez que o homem aprenda a ver, tudo no mundo passa a ser sem valor?
– Eu não disse sem valor. Falei sem importância. Tudo é igual, e dessa forma sem importância. Por exemplo, não há meio de eu dizer que meus atos sejam mais importantes do que os seus, ou que uma coisa seja mais essencial do que outra; e, portanto, todas as coisas são iguais, e sendo iguais são sem importância.
Perguntei-lhe se suas declarações eram uma afirmação de que o que ele chamara de “ver” era realmente um “meio melhor” do que apenas “olhar para as coisas”. Ele disse que os olhos do homem podiam desempenhar ambas as funções, mas que nenhuma das duas era melhor do que a outra; no entanto, treinar os olhos apenas para olhar, para ele, era um desperdício desnecessário.
– Por exemplo, precisamos olhar com nossos olhos para rir – disse ele – porque só quando olhamos para as coisas é que pegamos o lado engraçado do mundo. Por outro lado, quando os nossos olhos vêem, tudo é tão igual que nada é engraçado.
– Quer dizer, Dom Juan, que o homem que vê nunca pode rir?
Ficou calado por algum tempo.
– Talvez haja homens de conhecimento que nunca riem falou. – Mas não conheço nenhum. Aqueles que eu conheço vêem e olham, de modo que riem.
– Um homem de conhecimento também pode chorar?
– Suponho que sim. Nossos olhos olham, de modo que podemos rir, ou chorar ou regozijar-nos, ou ficar tristes, ou felizes. Pessoalmente não gosto de ficar triste, de modo que sempre que presencio alguma coisa que normalmente me entristeceria, limito-me a mudar meus olhos e vejo a coisa, em vez de simplesmente olhar para ela. Mas quando encontro alguma coisa engraçada, eu olho e rio.
(Uma Estranha Realidade, Carlos Castañeda)