Quando chegamos ao topo do promontório, eu estava sem fôlego. Sentei-me para descansar, contemplando a vista magnífica. Eu podia ver todo o vale do deserto com sua estrada sinuosa serpenteando em direção ao sudeste. As colinas roxas de longe pareciam um corte irregular contra o céu. Aparentemente do nada, um corvo solitário voou até nós grasnando ao passar por cima. Dom Juan ergueu os olhos para notar a direção do seu vôo. Estava voando rumo ao sol da tarde.
— O vôo dos corvos tem algum significado particular? — Perguntei.
— Pode apostar que sim, — respondeu, sacudindo o sombreiro —. Especialmente se alguém tem afinidade com eles. Os corvos podem ser portadores de mensagens. Mas é fácil interpretar mal os presságios.
— O que acontece se você interpreta mal a mensagem? — Perguntei.
— Todo tipo de coisas desafortunadas, — disse, solenemente —. Você pode acabar avançando a toda velocidade, quando deveria estar esperando o seu tempo. Ou poderia perder uma oportunidade adequada no caminho, porque hesita em agir.
— Quer dizer que um corvo pode salvar sua vida? — Disse.
— Poderia, — concordou dom Juan —. Corvos e outras entidades servem como guias. Dizem a um brujo o que fazer e quando fazer. No mundo dos guerreiros, o momento oportuno é crucial. Se perder a oportunidade, pode ser que ela nunca volte.
A finalidade de suas palavras me deu calafrios. Eu sabia o que ele queria dizer. Há uma condição de estar fora de sincronia com a vida. Era uma sensação de desequilíbrio interno; de nunca pegar a crista da onda e surfar com ela, mas sempre ver ela quebrar em cima de você. Portanto, em vez de uma viagem impressionante, a pessoa se sente abatida, oprimida, como se algo tivesse se chocado com força total quando não estava pronta ou quando menos se esperava …
— Isso é o que eu quero dizer com momento oportuno, — dom Juan concordou quando eu descrevi esse estado para ele.
— O que causa essa condição de estar fora do lugar? — Perguntei.
— Ter perdido nossa conexão com nosso duplo, — disse.
— Não entendo. Pode explicar o que quer dizer?
— Quero dizer que, quando nascemos, estamos intrinsecamente conectados ao nosso outro lado. As linhas de comunicação com a imagem mais ampla, por assim dizer, estão abertas. Mas à medida que crescemos, gradualmente cortamos essa conexão e vivemos com apenas metade do nosso ser. Portanto, estamos sempre desequilibrados e temos a sensação de que algo está faltando.
Dom Juan fez uma pausa por um momento como se se perguntasse se continuaria ou não.
— Há algo mais, — disse —. Tem a ver com a maneira como a pessoa é concebida.
— Se você vai me contar sobre a teoria da concepção aborrecida, já ouvi de Clara.
— Bem, ouça de novo porque obviamente não entrou. A descendência de qualquer relacionamento amoroso será cheia de energia e terá o poder de viver o momento a momento apenas se ambos os pais estiverem sexualmente excitados. Se apenas um dos pais teve uma explosão de excitação, a natureza energética da criança ficará desequilibrada e uma parte dela sempre ficará para trás. Se nenhum dos pais estiver muito excitado, como costuma acontecer depois de viver muitos anos com alguém, a criança será o que chamamos de concepção monótona e não será capaz de captar energeticamente o fluxo da vida.
— É um cenário sombrio, — disse —. Não há nada que possa ser feito a respeito? Afinal, não somos responsáveis ??pelo que aconteceu durante o momento da nossa concepção.
—Claro, existem outros fatores além do impulso energético inicial, e esse é o desafio de restabelecer o vínculo com o duplo. Qualquer um pode fazer isso, não importa o quão letargicamente tenha sido concebido.
— Como se pode restabelecer um vínculo com o duplo? — Perguntei.
—Reduzindo a importância pessoal. Não se preocupando com a concretude das coisas. Tornando-se abstrato no pensamento e no comportamento. Tratando tudo como manifestações de energia, e não como uma realidade objetiva. Focar em si mesmo requer a energia que se necessita para agir com eficiência. Por exemplo, lamentar ações passadas ou estar excessivamente envolvido ou preocupado com o resultado de algo, sobrecarrega a pessoa de modo que ela não pode agir de maneira eficiente, espontânea e no momento adequado.
— O que acontece se você simplesmente não sabe o que fazer ou quando fazer? — Eu disse, em um tom de queixa.
— Você deve parar e esperar até captar o movimento das coisas, — respondeu dom Juan —. E ouça os presságios; observe as indicações emitidas pelo mundo ao seu redor. Eles agem diretamente em seu corpo energético. Claro, para isso você tem que ser absolutamente fluida e reduzir seus desejos a nada. Você não deve ter pressa ou necessidade de controlar ou manipular as coisas. Então você pode ouvir os sussurros do mundo. Às vezes os presságios te dizem como fazer algo. Como, por exemplo, qual planta escolher para uma doença específica. Ou predizem o resultado de um curso de ação. Claro, outras forças também podem lhe dizer essas coisas.
— Que outras forças são essas?
— A voz do ver, por exemplo. Ela vem diretamente do seu corpo energético. Ou pode vir de outra entidade que o aconselha. Em qualquer caso, te aconselha a partir de um lugar não acessível ao seu corpo físico cotidiano. E você tem que abrir um canal para esse lugar.
(Taisha Abelar, Textos Inéditos)