Essa questão das coisas e seres que “geram” poder e das que são apenas espectros é um assunto muito importante para quem “navega” por mundos outros que não esse. Uma das coisas mais importantes para quem flui pela Eternidade é reconhecer quais os lugares e seres geram energia a partir de si mesmo e quais são apenas formas espectrais, criadas pela intenção de outros seres, formas geradas, que podem ter até seu poder, mas poder dos mais limitados, poder reduzido. Existem mundos criados pelo intento de poderosos (as) xamãs ancestrais, existem cidades, templos, enfim, um infinito número de lugares que foram gerados com os mais diversos propósitos ao longo de todos esses tempos que seres conscientes existiram neste mundo.
Grande parte do treinamento inicial de um(a) xamã guerreiro é aprender a ver a energia diretamente, além das barreiras da socialização. Por isso tais caminhos começam com o ir além da “forma humana”, além do conjunto de estilos de raciocinar, de emocionar e reagir que temos em nós, que temos por nós. Somos , a princípio, apenas esse aglomerado, mas parte de nossa magia consiste em podermos mergulhar rumo a essência perceptiva que no cerne somos, e podemos então tornar nossa consciência um aspecto singular da vastidão inominável que é o mar escuro da consciência.
Quando nos tornamos realmente existentes, quando nos lembramos de nós mesmos e deixamos de nos confundir com a ilusão, com o Mitote que criaram a nossa volta, para nele nos diluírmos e não nos percebermos ente singular, quando este “despertar” ocorre, só aí um(a) xamã é considerado existente, só aí começa a aventura efetiva que por um tempo incontável tem levado aos Xamãs que esse caminho trilham a serem conhecidos como “desafiantes da morte”.
Quando vamos falar de Xamanismo do ponto de sentir o mundo desta linhagem é necessário que compreendamos bem que vamos usar palavras para apontar ao que está além das palavras. As palavras quais tais as usamos hoje estão numa sintaxe que representa o resultado da ação desse sistema escravizador que hoje domina o mundo. Portanto, as palavras determinadas pelos escravizadores não podem em si conduzir a liberdade. Mas parte da magia do Xamanismo é transformar correntes em asas, grilhões em chaves que abram as masmorras perceptuais onde trancaram nossa espécie e reduziram nossa realidade mágica a esta tacanha normalidade dos boçais capatazes que administram a senzala, para os Senhores e Senhoras feudais contemporâneos.
A palavra egrégora é uma palavra complexa. Não conhecemos a etimologia da mesma, não sabemos ainda a partir de que idéias semânticas foi formada, mas o que interessa então é que ela designa algo que existe. Se estamos imersos no vasto Mar da Consciência e Energia uma egrégora é um tanque, um armazêm de energia que tem uma “tonalidade”, uma “característica” própria, singular, por vezes chega uma egrégora a ter personalidade e em casos mais raros, mas registrados, há egrégoras que adquiriram mesmo singularidade existencial. Um dia lhes conto uma história de uma Divindade que surgiu como egrégora na Mongólia e hoje é um ser singular e consciente de si.
Mas uma egrégora não gera energia por si. Ela é alimentada, é resultante, daqueles que a geram e a mantém. Ordens iniciáticas realizam ritos com certos padrões comuns em todas suas secções entre outras coisas para alimentar a mesma egrégora, fortalecer a “alma grupo” da irmandade. Um exemplo de ação de egrégora é o poder das seitas evangélicas em pegar um cara que é viciado, perdido na vida e por o cara “na linha”, entendendo eles que na linha quer dizer, um bom “trabalhador” que “serve” ao sistema eficientemente, sendo assim também um bom consumidor. Embora, se formos além das aparências veremos que é usado para tão escravizante propósito tais seitas usam um conhecimento sutil, a força da egrégora. Alimentada pelas orações, pelos movimentos pentecostais onde aspectos de energias ancestrais são evocadas, a egrégora do grupo é potencializada. Quando a pessoa, em cerimônia fortemente catártica, se “entrega a Jesus” e o “aceita como salvador pessoal”, imediatamente a conexão com a egrégora é realizada e a força do grupo aumenta a força do individuo e ele consegue ” se endireitar” (sic!).
Hoje a magia renasce, nós herdeiros espirituais e genéticos dos povos nativos podemos nos revelar mais abertamente, podemos falar de nossos sentimentos, do que as Avós e os Avôs nos contaram, mas isso porque a Igreja perdeu sua força de poder dominante no modo de pensar dos povos.
Onde foi dado um golpe forte nessa queda?
Quando João XXXIII tirou o latim, quebrando a união ritualística que gerava uma poderosa egrégora a essa herdeira direta do Império Romano, com seus Papas / Césares. Assim a egrégora é um reservatório de energia com uma programação, não é energia bruta, virgem, intocada, é energia já polarizada por alguém, ou algum grupo, quer conscientemente, quer inconscientemente.
A egrégora de um time de futebol tem um poder fortíssimo. E há outras egrégoras, como a da Coca Cola, como a de personagens fortes que começam em livros tidos por ficção, mas com o passar do tempo passam a ter tal presença na dimensão mítica da humanidade que eles tem força de existentes. A galera caoticista usa esses tanques de energia que estão por aí e ninguém percebe o poder. O xamanismo através de sua história já usou tudo isso, já cultuou seres como deuses, já personificou os poderes da natureza, antropomorfizando a tal ponto tais forças que ficou muito da fantasia e quase nada do símbolo puro em muitas representações de deuses e deusas dos nativos, tais quais hoje se nos apresentam.
Muitos homens e mulheres xamãs se tornaram “deuses e deusas” para seus povos, atraíram entes que tinham tal vastidão de poder que foram tidos por “deuses e deusas” pelos que eram levados a adorá-los, muitas vezes com sangue e sacríficios, que davam a energia que tais entes precisavam para atingir os “pedidos” dos fiéis.
O xamanismo guerreiro, frente as árduas condições em que sobreviveu muito aprendeu. Conquista de outros povos nativos, depois invasão dos atrozes e desumanos europeus, que praticavam contra os nativos todo grau de violência, quer física, quer moral, quer cognitiva, quando os afastavam de suas tradições e lhes impunham suas tacanhas crenças, a estes povos nativos, possuídores de cosmogonias, de conhecimentos sobre si e a realidade circundante que eram tão transcendentes que sequer visíveis foram aos bestializados conquistadores, que destruiam jóias e monumentos de Saber apenas para derreter o ouro e a prata que ali estavam.
Os homens e mulheres xamãs que sobreviveram aos ataques, cujos “poderes” realmente “funcionaram” frente aos invasores começaram a perceber muitas coisas, quando, já como fugitivos, se reencontraram. As histórias contam desses encontros entre diversas “linhagens” de xamãs que sobreviveram a seus “centros de poder”. Os arrogantes e ensimesmados homens e mulheres que criaram tantas cidades-estados pelas Américas, que dominaram tantos povos, as confrarias que formavam e os poderes que partilhavam, o dominio sobre outros que exerciam, criando tipos diversos de imperialismos, onde outros deviam trabalhar para que eles e elas, os iniciados, pudessem desenvolver ainda mais o intricado e complexo, o assombroso e poderoso conhecimento que tinham, mas que na hora do ataque a poucos serviu.
Duas classes de xamãs escaparam destes confrontos. Povos inteiros guiados pelos seus homens e mulheres xamãs deixaram essa realidade e foram viver em outros mundos. Os(as) xamãs do clã guerreiro, do qual algumas linhagens conhecidas hoje, como a do Nagual Charles Spider, descendem. Estes povos que migraram para outros mundos não o fizeram apenas para mundos geradores de energia. Alguns povos, como alguns grupos e mesmo alguns (as) xamãs isoladamente, criaram na amplitude da “Segunda Atenção” ilhas de existência. É um dos poderes do Sonhar, poder criar um mundo réplica de um que exista, ou mesmo algo totalmente novo, só pelo poder do Intento do(a) xamã que assim age. Mas tais mundos são mundos espectros, mundos que não geram energia e este é o perigo de se desenvolver em corpo sonhador sem amadurecer primeiro, sem sair dos joguinhos e dos pueris paradigmas que as religiões e as pretensas filosofias espiritualistas nos deram sobre o que são “mundos evoluídos”, “mundos superiores” e os “seres de luz e pureza” que nos esperam lá. Os que ficaram, os que sobreviveram mas não migraram para outros mundos, quer mundos geradores de energia como este, quer os mundos espectros onde criaram réplicas da civilização que deixavam, todos aprenderam muito. Estes que foram ainda voltam muitas vezes a este mundo, para nós do xamanismo, muito do que se tem por contato “extraterrestre” quando envolve seres humanóides e mesmo os seres totalmente iguais a nós está muito mais ligado com estes “humanos” que partiram um dia que com seres oriundos de outros mundos, que serão inimaginavelmente diferentes, já que gerados em outras realidades, logo em outro conjunto de estímulos.
Mas o que importa agora é que os (as) sobreviventes aprenderam algo muito importante. Primeiro reduziram a extrema dependência que tinham de seus “protetores”, de seus “entes amigos” , de seus “aliados”. Perceberam que estes seres tinham também seus limites, podiam mesmo ajudar como batedores, muitos dos que estavam vivos ali estavam vivos porque esses entes os avisaram e puderam fugir a tempo, os alertaram de emboscadas. Mas perceberam que tais entes só agiam diretamente sobre os atacantes se tivesse o(a) xamã que a este ente era ligado, “poder pessoal”, isto é, “energia acumulada” suficiente. É sempre a energia do xamã que permite a um ente de outra realidade se manifestar nesse mundo. Também notaram que muitas “armas mágicas”, muitas das “peças de poder” pela quais tanto lutaram entre si, tantas vidas foram usadas para as conseguir, tinham um valor também relativo, uma arma de poder depende completamente do poder pessoal de quem a utiliza. Então começaram a perceber que muita coisa que praticavam tinha grande apelo, mas não tinha real valor de sobrevivência e estes homens e mulheres, que já foram um dia conhecidos como “desafiadores da Morte” continuaram a sua trilha, estudando, praticando e aprendendo enquanto lutavam para sobreviver.
Veio a invasão dos europeus e tudo ficou ainda mais exigente aos que tentavam sobreviver. O poder de cada um destes conquistadores era terrível e o povo nativo estava longe de ter a crueldade e o sadismo desses conquistadores que praticavam atrocidades para “se divertir”. Por esporte matavam centenas, trucidaram a mais bela cidade do ocidente que existia na ainda florescente cultura Asteca, estes que haviam conquistado um povo mais antigo, que haviam quase destruídos xamãs que guardavam um saber milenar, eram agora destruídos por um povo ainda mais sanguinário, um povo para o qual todo sentido de humanidade e respeito pela vida havia sido perdido. Servindo a seus dois deuses, a Riqueza e o Sofrimento, os invasores cuidaram de roubar toda riqueza que puderam deste povo dominado e destruir a alegria pura e verdadeira destas gentes em um holocausto a seu deus do sofrimento e do sacríficio.
Nestas condições de extrema opressão o xamanismo guerreiro se escondeu em várias linhagens, que para se proteger perderam até mesmo contato uma com as outras. Algumas conseguiram ir para o “velho mundo” (frase totalmente sem sentido pois perto da ancestralidade destas terras, como o planalto central brasileito, o “velho mundo” é apenas uma criança), outros se refugiaram no anonimato de vidas simples em vilas camponesas, aparentemente servindo ao sistema dominante que estava se implantando e assim, sutilmente, sumiram da história para permanecerem vivos na Eternidade. Parte das descobertas dessas linhagens hoje começa a ser veiculada de forma mais aberta novamente, e nós temos a tremenda sorte de ter acesso as mesmas. O que sabemos a partir deste conhecimento acumulado é que uma situação geradora de energia nos alimenta, nos amplia, nos fortalece e uma situação espectral, vai de uma forma ou de outra consumir nossa energia.
Como tudo que um(a) xamã faz depende de energia é vital para o xamanismo discernir entre uma situação geradora de energia e uma espectral. No caso de uma egrégora é uma ligação em certo equilibrio, você doa sua energia para a egrégora e ela te apóia. Mas quando vamos a mundos espectrais, a “templos no astral” e a uma série de lugares, que podem ser até por demais agradáveis, onde apenas “soltamos ” energia, aí estamos numa condição não geradora de energia e corremos o risco de estar até mesmo num lugar que “vampiriza” energia. Existem mundos que só de irmos lá nos alimentam com sua energia e isto nos dá uma energia extra, algo que os(as) xamãs buscam disciplinadamente pois precisamos de muita energia para todas as manobras que o xamanismo nos permite. Para quem está familiarizado com o mundo dos aliados sabe o quanto temos que ser disciplinados prá dar esses “mergulhinhos” naquele mundo de cavernas vivas e nos alimentarmos, só de estarmos ali, da inquietante energia que dele emana, sempre correndo o risco de cair nas artimanhas desses entes manipuladores.
Parece que em tudo isso, só o firme intento da Liberdade Total consegue mesmo nos tornar imunes a todos esses riscos. Por isso no Xamanismo Guerreiro, não trabalhamos com divindades criadas pelo ser humano, ou egrégoras conscientes, buscamos diretamente na fonte, vamos a Terra, enquanto ser vivo e a seus poderes e manifestações, como ventos, cachoeiras, trovões, montanhas, chuva, vales, enfim, vamos a força manifesta em si, não a “representações” das mesmas. Existem energias oriundas dos astros, de planetas, de cometas, de meteoros, existe a poeira cósmica de cada estrela cadente, enfim, existe uma infinidade de modalidades de energia que a todo instante estão chegando até nós. Assim um xamã do Raio vai usar o raio como seu instrumento de poder, um xamã das nuvens vai usar as nuvens e assim por diante, mas pode ficar adorando uma divindade que “representa” tal poder, ou efetivamente ir a uma “simbiose” com tais poderes, reconhecendo-os como aspectos conscientes da Totalidade, tanto quanto nós somos e assim estabelecendo uma ação conjunta com esses poderes.
O xamanismo guerreiro é magia, não pode reconhecer coisas como “rezar” para algum poder. O termo rezar, tal qual é usado hoje, vem num contexto de pedir, de suplicar, de um ser suplicante implorando e chantageando uma força superior, tentando suborná-la com sacríficios e promessas para que ela ceda e atenda o “suplicante”. Notem como tudo isso está impregnado ainda dos paradigmas da civilização escravizadora na qual estamos inseridas e não tem nada a ver com a realidade viva do xamanismo. Entretanto muitos povos com o passar dos tempos perderam esse elo direto e consideraram cultuar formas mais importante que ir direto a essência e criaram certos tipos de práticas que são tidos por xamanismo, e até podem o ser, mas não fazem parte do que o Xamanismo Guerreiro escolheu como práticas mais estratégicas.
A pergunta é: tecnicamente, em termos de magia prática qual a diferença de se utilizar um e outro?
Como tudo mais no universo do xamanismo, depende do poder pessoal do praticante. Quem tem poder pessoal pode usar uma tampa de coca cola como escudo, quem não tem pode ter o escudo de ypê do líder do clã da onça pintada que nem vai consegur ativar o poder que está ali, contido naquele escudo ancestral.
Quando utilizamos uma energia “natural” estamos nos associando a uma força que tem sua própria consciência, assim juntamos nosso “intento” a um poder que pode ampliar e potencializar esse intento numa esfera muito maior que apenas a humana.
Quando usamos o poder de uma egrégora, sabendo que ela foi gerada por seres humanos quando muito teremos um poder mais amplo, quando uma egrégora é realmente ancestral e assim foi alimentanda inicialmente nos tempos “míticos” tendo seu poder, sua “baraka”.
O Ser Terra é muito mais poderoso que qualquer egrégora humana criada, é mais antigo, mais pleno, e está em sintonias com certos “planos” que nós humanos sequer intuímos existir. Assim, quando nos conectamos ao Ser Mundo para agir magicamente estamos na realidade entrando em sintonia com um poder que transcende o humano, e tal poder “mais que humano” é uma energia muito mais poderosa para trabalhar no alcançar dos nossos objetivos do que um rito que estamos realizando com um poder “humano”, por mais ancestral que seja este.
É bem interessante isso mesmo, isso é um dos aspectos que nós homens temos que aprender com a força feminina, ser mais maleáveis, fluir com menos rigidez. Essa minha amiga que está comigo esses dias tem falado muito sobre isso, sobre sentir o Tao, a totalidade que é também consciente de si e que está sempre sinalizando em nosso caminho. O detalhe é que estamos presos a raciocinar a realidade e os sinais do Tao são para os (as) que pensam. Estamos presos em nos emocionar com a realidade e os sinais do Tao são para os (as) que sentem. Estamos presos em reagir e os sinais do Tao nos pedem o AGIR.
Estarmos atentos e profundamente sensíveis a nós mesmos e ao mundo ao nosso redor é sempre uma forma eficiente de caminhar, seja neste mundo, seja em mundos outros que não esse.
(Nuvem que passa)
(escrito em 27/12/2000)