“- De que modo a Gorda foi diferente de Eligio? — perguntei. Olhou-me um instante como se medisse alguma coisa em mim. Depois sentou-se com os joelhos junto ao peito.
– O Nagual me contava tudo — disse, bruscamente. — O Nagual não tinha segredos para mim. Elígio era o melhor; é por isso que ele não está no mundo agora. Não voltou. Aliás, era tão bom que não teve de saltar de um precipício quando terminou o aprendizado. Era como Genaro; um dia, quando estava trabalhando no campo, alguma coisa veio até ele e o levou embora. Ele sabia como soltar-se.
(…)
– As meninas são filhas do Nagual, assim como você e Elígio são seus filhos. Ele fez seis filhos, quatro mulheres e dois homens. Genaro fez três homens. São nove ao todo. Um deles, Elígio, já se realizou, de modo que agora cabe a vocês oito tentarem.
– Para aonde foi Elígio?
— Foi juntar-se ao Nagual e a Genaro.
— E para onde foram o Nagual e Genaro?
— Você sabe para onde eles foram. Está brincando comigo, não está?
— Mas aí é que está, Dona Soledad. Não estou brincando.
— Então vou-lhe dizer. Não lhe posso negar nada. O Nagual e Genaro voltaram para o mesmo lugar de onde vieram, para o outro mundo. Quando chegou o seu momento, eles simplesmente foram para as trevas, lá, e como não quiseram voltar, a escuridão da noite absorveu-os.
(…)
Ela (La Gorda) é como Elígio; o mundo não a toca mais.
(…)
Alguns anos depois de ter encontrado a Gorda, o Nagual encontrou Elígio. Ele me disse que foi com você até à terra dele. Elígio foi vê-lo porque tinha curiosidade a seu respeito. O Nagual não fez caso dele. Conhecia-o desde que era menino. Mas um dia de manhã, quando o Nagual se dirigia para a casa em que você o esperava, encontrou-se com Elígio na estrada. Eles caminharam juntos um pouco e depois um pedaço de Cholla (uma espécie de cacto) seca ficou presa na ponta do sapato esquerdo de Eligio. Tentou livrar-se dela, chutando o pé, mas os espinhos pareciam pregos; tinham-se cravado fundo na sola do sapato. O Nagual disse que Elígio apontou para o céu com o dedo e sacudiu o pé e a cholla saiu como uma bala e subiu pelo ar. Eligio achou aquilo uma boa piada e riu, mas o Nagual sabia que ele tinha poder, se bem que Elígio nem desconfiasse disso. Foi por isso que, sem qualquer dificuldade, ele se tornou um guerreiro perfeito e impecável.
Tive a sorte de vir a conhecê-lo. O Nagual achava que nós nos parecíamos em uma coisa, Quando agarramos alguma coisa, não a largamos mais. A boa fortuna de conhecer Elígio foi uma sorte que não partilhei com ninguém, nem mesmo a Gorda. Ela conheceu Elígio, mas não chegou a conhecê-lo bem, tal como você. O Nagual desde o princípio sabia que Eligio era excepcional, e isolou-o. Sabia que você e as meninas estavam de um lado da moeda e Elígio do outro lado, sozinho. O Nagual e Genaro tiveram muita sorte mesmo em tê-lo encontrado.
A primeira vez que o vi foi quando o Nagual o trouxe à minha casa. Elígio não se deu bem com minhas meninas. Elas o detestaram e também o temeram. Mas ele se mostrou completamente indiferente. O mundo não o afetava. O Nagual não queria que você, em especial, tivesse muito contato com Elígio. O Nagual disse que você é do tipo de feiticeiro do qual convém a pessoa manter distância. Disse que o seu toque não alivia, ao contrário, que prejudica. Ele me disse que o seu espírito prende as pessoas. Ele ficava um pouco revoltado com você, mas ao mesmo tempo gostava de você. Disse que, quando o encontrou, você era mais louco do que Josefina, e que ainda é.
(…)
Nestor dando mais detalhes sobre a partida de Elígio:
– Ela (Soledad) está completamente confusa, disse Nestor. Eligio foi rodeado pelos aliados. Mas ele não queria nenhum deles, então eles o soltaram. Isso não tem nada a ver com o salto. Eligio teve que pular como todo mundo. Eu testemunhei seu salto. Ele estava junto de Benigno.
– O que você acha que aconteceu com Eligio? Ele morreu?
– Você está falando sério quando faz essas perguntas? questionou-me.
– Bem, se Eligio não morreu, onde ele está? Perguntei.
– Soledad já lhe falou, disse Nestor em voz baixa. Eligio foi se juntar ao Nagual e Genaro. Eligio foi instruído a encontrar uma cúpula em particular. Don Juan e Genaro insistiram que Eligio deveria entender o ponto corretamente. Eles o orientaram a encontrar a cúpula e a entrar em suas abóbadas esbranquiçadas repetidas vezes.
– Por que a cúpula era tão importante?
– Porque é aí que o Nagual e Genaro estão agora, respondeu ele.
– E onde é essa cúpula? Perguntei.
– Em algum lugar nesta terra, disse ele. Você quer saber onde Eligio está? Bem, ele está nas abóbadas brancas daquela cúpula com o Nagual e Genaro.
– Mas essa cúpula foi uma visão, eu protestei.
– Então Eligio está em uma visão, disse Nestor. O Nagual e Genaro não lhe disseram para encontrar aquela cúpula e voltar a ela repetidamente. Se tivessem, você não estaria aqui. Você seria como Eligio, na cúpula daquela visão. Então, Veja, Eligio não morreu como um homem na rua morre. Ele simplesmente não retornou de seu salto .
(…)
La Gorda falando a respeito de Eligio com Castañeda:
“- Eligio também seguiu um caminho diferente, disse ela. Um caminho que nenhum de nós conhecia.
Nós o encontramos pouco antes dele ir embora. Eligio era um sonhador fantástico. Ele era tão bom que o Nagual e Genaro costumavam levá-lo através da fenda, e ele tinha o poder de suportar isso como se não fosse nada. Ele nem sequer ofegava. O Nagual e Genaro lhe deram um impulso final com plantas de poder. Ele tinha o controle e o poder para lidar com esse impulso. E foi isso que o enviou para onde quer que ele esteja.
– Os Genaros me disseram que Eligio pulou com Benigno. Isso é verdade?
– Claro. Na hora que Eligio teve que pular, sua segunda atenção já tinha estado naquele outro mundo. O Nagual disse que a sua também tinha estado lá, mas que para você havia sido um pesadelo porque você não tinha controle. Ele disse que as plantas de poder deixaram você desequilibrado, elas fizeram você passar através da sua atenção do tonal e o colocaram diretamente no reino da sua segunda atenção, mas sem qualquer domínio sobre ela.O Nagual não deu plantas de poder para o Eligio até o momento final.”
(Carlos Castañeda, O Segundo Círculo do Poder)