‘Num dia em que estávamos no Museu Nacional de Antropologia na Cidade do México perguntei sobre essa situação estranha. O que instigara minha pergunta foi que, naquele momento, eu tinha a estranha capacidade de lembrar tudo que acontecera durante toda a minha associação com Dom Juan. E isso me fez sentir tão livre, tão ousado e leve que praticamente saí dançando.
– É que a presença do Nagual induz um deslocamento no ponto de aglutinação – disse ele. Então me guiou a uma das salas de exposição do museu e disse que minha pergunta tinha a ver com o que ele estava planejando contar.
– Minha intenção era explicar que o posicionamento do ponto de aglutinação é como um cofre onde os feiticeiros mantêm seus registros – disse ele. – Fiquei contentíssimo quando seu corpo energético sentiu meu intento e você perguntou isso. O corpo energético sabe uma imensidão de coisas. Deixe-me mostrar o quanto ele sabe.
Disse para eu entrar na sala em silêncio absoluto. Lembrou-me que eu já estava num estado de consciência especial, porque meu ponto de aglutinação fora deslocado em sua presença. Ele me assegurou que entrar em silêncio total permitiria que as esculturas naquela sala me fizessem ver e ouvir coisas inconcebíveis. Acrescentou, aparentemente para aumentar minha confusão, que algumas peças arqueológicas naquela sala tinham a capacidade de produzir, por si próprias, um deslocamento do ponto de aglutinação e que se eu chegasse a um estado de silêncio total iria testemunhar cenas das vidas das pessoas que fizeram aquelas peças. Em seguida ele deu início ao passeio mais estranho que já fiz através de um museu. Andou pela sala, descrevendo e interpretando detalhes espantosos sobre cada uma das grandes peças. De acordo com ele, cada peça arqueológica daquela sala era um registro intencional, deixado pelas pessoas da antiguidade; um registro que Dom Juan, como feiticeiro, estava lendo para mim como leria um livro.
– Cada peça aqui foi projetada para fazer o ponto de aglutinação se deslocar – prosseguiu ele. – Fixe o olhar em qualquer uma delas, silencie a mente, e descubra se o seu ponto de aglutinação pode ser deslocado.
– Como vou saber se ele se deslocou?
– Saberá porque vai ver e sentir coisas que estão fora do seu alcance normal.
Olhei para as esculturas e vi e ouvi coisas que me deixariam perdido, caso tentasse explicar. No passado eu examinara todas aquelas peças com os preconceitos da antropologia, tendo sempre em mente as descrições dos eruditos da área. Suas descrições da função daquelas peças, enraizadas na cognição que o homem moderno tem do mundo, me pareceram pela primeira vez absolutamente preconceituosas, quando não imbecis. O que Dom Juan disse sobre as peças, e o que ouvi e vi, fixando nelas o olhar, foi a coisa mais distante possível do que eu sempre lera a respeito. Meu desconforto foi tão grande que senti a obrigação de me desculpar com Dom Juan pelo que pensei ter sido minha sugestibilidade. Ele não riu nem zombou de mim. Explicou pacientemente que os feiticeiros eram capazes de deixar no posicionamento do ponto de aglutinação, registros acurados sobre suas descobertas. Afirmou que quando se trata de captar a essência de um registro escrito, precisamos usar nosso sentido de participação simpática ou imaginativa para ir alem da mera pagina escrita e chegar à própria experiência. Mas no mundo dos feiticeiros, como não existem paginas escritas, são deixados registros – que podem ser revividos, em vez de lidos – no posicionamento do ponto de aglutinação.
Para ilustrar sua afirmativa Dom Juan falou sobre os ensinamentos dos feiticeiros sobre a segunda atenção. Disse que eles são dados quando o ponto de aglutinação do aprendiz está num lugar que não é o normal. Assim, o posicionamento do ponto de aglutinação toma-se o registro da lição. Para recuperar a lição o aprendiz precisa voltar o ponto de aglutinação ao posicionamento que ele ocupava quando a lição foi dada. Dom Juan concluiu suas observações reiterando que é um feito da maior magnitude trazer o ponto de aglutinação de volta a todos os posicionamentos que ele ocupou durante as lições.”
(A Arte do Sonhar, Carlos Castañeda)